Fazer um desejo para uma estrela cadente. Não passar embaixo de uma escada. Evitar o número 13 (para os ocidentais) ou o 4 (para alguns orientais). Cruzar os dedos para atrair sorte, ou bater na madeira para espantar o azar. A crença em superstições é quase tão antiga quanto a Humanidade, uma forma de pensamento mágico sob a qual ações são ou não executadas dependendo de circunstâncias logicamente desconectadas, em uma variação cognitivo-comportamental da falácia conhecida pela expressão em latim post hoc ergo propter hoc (depois disso, logo, causado por isso). E também é muito mais comum do que se imaginava, sugere estudo publicado recentemente no periódico científico Journal of Individual Differences.
Liderado por Avner Caspi, pesquisador do Departamento de Educação de Psicologia da Universidade Aberta de Israel, o estudo explorou o fenômeno dos chamados "meio-crentes" - identificados pela primeira vez pelo psicólogo neozelandês Peter McKellar ainda nos anos 1950 - para também analisar a influência de fatores demográficos e psicológicos na crença e ação das pessoas sobre superstições, definidas pelos autores do estudo como "práticas culturais ou pessoais baseadas na fé em forças sobrenaturais". "Superstições frequentemente geram associações entre itens ou eventos não relacionados, assim como a crença que estas associações podem influenciar no nosso futuro imediato ou distante (promovendo a boa sorte ou prevenindo o azar)", complementam.
Medindo a superstição
Dado o caráter ilógico e irracional das superstições, pesquisas que buscam avaliar diretamente a crença nelas costumam subestimar sua prevalência nas populações ouvidas. Em levantamento feito pela empresa de pesquisas de opinião pública Gallup em 1996 nos EUA, por exemplo, apenas 1% dos americanos admitiu ser "muito supersticioso", e 24% "de alguma forma supersticiosos", enquanto 47% disseram ser "nada supersticiosos".
Mas embora muitas pessoas rejeitem as superstições intelectualmente, suas ações podem contar uma história bem diferente. Os autores citam como exemplo estimativas que apontam prejuízos da ordem de US$ 900 milhões anuais para os negócios nos EUA só devido às sextas-feiras 13. Estas contradições entre crença e ação sobre superstições levaram McKellar a propor a figura do "meio-crente", aprofundada posteriormente por Colin Campbell, hoje professor emérito do Departamento de Sociologia da Universidade de York, Reino Unido, em artigo publicado em 1996.
Diante disso, Caspi e colegas propõem uma nova maneira de medir o grau de superstição das pessoas e, assim, sua prevalência na população. Usando um questionário com 24 superstições comuns, tanto "positivas" - coisas como "se você cruzar seus dedos antes de algo, vai trazer sorte e sucesso", ou "se você entrar em um ambiente com o pé direito, vai atrair boa sorte" - quanto "negativas" - como "se um espelho quebrar na sua casa, isso vai trazer azar", ou "bater na madeira vai afastar o azar" -, eles perguntaram a pouco mais de mil voluntários se conheciam as superstições (sim ou não), e o quanto as praticavam e acreditavam nelas. Ambas as respostas, medidas em escalas de cinco pontos.
Com isso, os autores do estudo calcularam quatro índices: prática de superstições positivas (PPOS, na sigla em inglês); crença em superstições positivas (BELPOS); prática de superstições negativas (PNEG); e crença em superstições negativas (BELNEG). Eles então separaram os participantes em três grandes grupos segundo sua discrepância nas respostas: os "crentes equilibrados", os "meio-crentes" e os "crentes passivos".
No primeiro caso estão as pessoas que praticam as superstições de acordo com seu grau de crença nelas, indo desde que as acreditam piamente nas superstições e sempre agem de acordo com elas, num extremo, às que rechaçam completamente as superstições e nunca agem segundo elas, no outro, passando por todas em que a prática e a crença se encontram em equilíbrio. Já os meio-crentes são a figura clássica identificada nas pesquisas anteriores, isto é, as pessoas que dizem praticar mais do que acreditar nas superstições, enquanto os crentes passivos são justamente o contrário: dizem que acreditam mais do que praticam.
Além disso, os pesquisadores calcularam de forma independente um grau de discrepância nas respostas dos participantes, numa média entre todas as superstições com que eles se disseram familiarizados, que ia de -4 (alguém que nunca pratica mas acredita fortemente em superstições, um "crente passivo" extremo) a +4 (alguém que sempre pratica, mas não acredita em nenhuma superstição, ou seja, um "meio-crente" radical). Sobrepondo aos grupos em que os participantes foram divididos na classificação anterior, observaram que todos os tipos de "crentes equilibrados" - dos crentes extremistas aos descrentes radicais, passando pelos no meio do caminho - apresentavam escore de discrepância zero. Ambas avaliações também foram feitas separadamente para superstições positivas e negativas.
Mas o estudo não parou por aí. Além dos dados demográficos dos participantes, como sexo, idade, nível educacional, estado civil e nível de religiosidade, os pesquisadores aplicaram três questionários psicométricos para avaliar três de cinco fatores previamente identificados como capazes de influenciar comportamentos supersticiosos: nível de ansiedade, intolerância à incerteza e grau de otimismo. Deixaram de fora pensamento mágico e locus de controle - a crença de poder controlar ou não os eventos da sua vida - pela interseção de seus questionários com itens do questionário de superstições que utilizaram.
A análise dos dados mostrou que são poucas as pessoas totalmente não supersticiosas, isto é, que não acreditam e tampouco agem segundo alguma superstição, seja positiva ou negativa: apenas 25 dos participantes, ou cerca de 2,5% da amostra. Separadamente, 44, ou 4,3% do total, eram descrentes radicais para superstições positivas, e 50, ou 4,9%, para superstições negativas. Os crentes extremistas somaram apenas dois indivíduos, tanto para superstições positivas quanto negativas. Já 15% dos participantes foram classificados como "crentes equilibrados" em superstições positivas, e 16%, em superstições negativas.
A maioria dos participantes mostrou estar ou entre os "meio-crentes" clássicos ou no antes não identificado grupo dos "crentes passivos". No primeiro caso, dos que praticam mais do que dizem acreditar, eles somaram 475, ou 47% da amostra, com relação a superstições positivas, e 553 (54%) quando eram superstições negativas. Já os que acreditam mais do que praticam, os "crentes passivos", totalizaram 386 (38%) com relação a superstições positivas e 296 (29%) nas negativas. A consistência nas crenças também foi significativa, com 65% dos participantes sendo classificados no mesmo grupo tanto nas superstições positivas quanto nas negativas.
Quanto às variáveis demográficas, os resultados do estudo de Caspi e colegas ficou em linha com os de outras pesquisas sobre o tema: mulheres costumam ser mais supersticiosas que homens; e a crença em superstições diminui com a idade, com jovens adultos mais propensos a aderir a estas ideias, propensão que aumenta com a religiosidade. O que teria ligação com as variáveis psicológicas, dado que uma maior ansiedade também foi relacionada a uma maior crença em superstições, assim como uma maior intolerância à incerteza. Eles, no entanto, não encontraram uma correlação significativa de pessimismo ou otimismo com a crença em superstições.
Prevalência em questão
Os resultados do estudo sugerem que a crença em superstições é muito mais disseminada na população do que indicavam pesquisas anteriores, com muito poucas pessoas não praticando nenhuma e relatando não acreditar nelas também. Diante da possibilidade de que a marca de 97,5% de supersticiosos se deu especificamente para a população israelense que compôs a amostra, Caspi adiantou à Revista Questão de Ciência que dados de estudo semelhante ainda em processo de submissão e publicação conduzido por ele e seus colegas com a população americana apontam na mesma direção.
"Coletamos dados nos EUA e encontramos resultados similares. A proporção das pessoas que acredita, ao menos em algum grau, em superstições é de mais de 90%", informou em entrevista por email.
Quanto a críticas de que duas das superstições em seu questionário - bater na madeira e cruzar os dedos - também podem ser vistas como gestos culturais de comunicação, sem relação com pensamento mágico, feitas pelo psicólogo Stuart Vyse em artigo publicado na revista Skeptical Inquirer, Caspi respondeu ter relatos anedóticos de pessoas que fazem as ações mesmo sem outros em volta, indo contra as observações, também anedóticas, do cético americano.
"Vyse sugeriu que estas duas superstições podem ser mais uma comunicação social do que 'reais' superstições. Não sabemos, e estamos pensando maneiras de testar esta ideia", contou à RQC. "Não temos dados sistemáticos, mas anedoticamente encontramos pessoas que nos disseram usar estas superstições mesmo sem a presença de outros. Então estas superstições podem não estar 'restritas' à comunicação como ele diz".
E este é apenas o começo. No próprio artigo no Journal of Individual Differences, Caspi e colegas informam também ter aplicado nos participantes o Questionário de Atributos Pessoais, um teste de personalidade voltado para identificação de gênero, além de coletado dados relativos ao posicionamento político deles que devem integrar análises futuras.
Além disso, Caspi conta que agora ele e seu grupo de pesquisas querem entender as condições que levam a um aumento na crença em superstições, assim como podem intensificar o uso de seus preceitos pelos "meio-crentes" ou inibir a ação dos "crentes passivos".
"Como as superstições são um fenômeno tão disseminado, diferenças individuais podem ter um impacto relativamente pequeno, mas significativo. Queremos descobrir o que diferencia as pessoas que praticam mais que acreditam ("meio-crentes") das pessoas que acreditam, mas tendem a praticar menos ("crentes passivos")".
Cesar Baima é jornalista e editor-assistente da Revista Questão de Ciência