Cientistas brasileiros são os mais preocupados com má informação

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17 nov 2022
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A pandemia de COVID-19 mudou o cenário em torno da prática e da produção científica no mundo, com impactos na confiança e na forma como os cientistas veem e fazem seu trabalho, mostra relatório produzido pela Economist Impact, braço de pesquisas da editora da prestigiosa revista econômica The Economist, com apoio da editora científica Elsevier. O recém-divulgado levantamento revela uma maior preocupação dos cientistas com o aumento da desigualdade no financiamento e na disponibilidade de recursos para pesquisas, e com a importância da comunicação da ciência com o público em geral, especialmente num ambiente de maior escrutínio e politização do setor. No Brasil, quase 90% dos pesquisadores ouvidos disseram que a pandemia evidenciou a necessidade de mostrar ao público o que separa a boa ciência da informação ruim, maior taxa entre todos os países sondados. 

“Nossa capacidade coletiva de enfrentar os mais urgentes desafios globais, das mudanças climáticas a futuras pandemias, depende de pesquisas, e da confiança do público nas pesquisas”, destacam os autores do relatório, que ouviram 3.144 pesquisadores, cientistas e acadêmicos mundo afora, além cerca de 200 participantes em mesas-redondas abrangendo 14 países, realizaram entrevistas aprofundadas com nove especialistas em diversas fases da carreira, e contaram com a colaboração de um conselho consultivo com uma dúzia de representantes renomados da comunidade científica. “Estes desafios são monumentais por si, mas contra o pano de fundo de crescente má informação e politização da ciência, é essencial entender se os próprios pesquisadores confiam no cenário da ciência, e na sua capacidade de assumir este papel mais público”.

Um exemplo disso é a maior visibilidade da ciência gerada pela pandemia, que não teria sido acompanhada por uma melhor compreensão da população sobre seus processos. Quase dois terços dos cientistas consultados (63%) consideraram que a atenção geral dada às pesquisas aumentou durante a crise sanitária, mas apenas 38% avaliam que um melhor entendimento público do que é a ciência e como ela é feita será um legado duradouro da pandemia.

Assim, a má informação – que os autores do relatório definem como informações falsas que não são disseminadas deliberadamente, diferentemente da desinformação, mentiras espalhadas intencionalmente com o propósito de enganar o público – é citada por eles como motivo de crescente preocupação, que deve ser combatido com maior engajamento de instituições científicas e cientistas na explicação de seus achados para o público, algo considerado fundamental por 78% dos entrevistados.

Neste contexto, também ganham importância informar o público sobre os processos da ciência, com 69% dos cientistas respondendo ser fundamental deixar claro o que diferencia pesquisas de boa qualidade da má informação, tendo como pilares a revisão por pares, indicada como fator essencial por 74%, e o bom desenho dos estudos e experimentos, destacado por 66%. E um dos caminhos apontados para isso é o engajamento em debates online e em redes sociais, com 51% dos pesquisadores dizendo sentirem responsabilidade em participar destas discussões e 52% considerando esta atitude necessária para ajudar a desenvolver sua reputação nos respectivos campos de atuação.

Não que isso também não traga consequências indesejáveis. De acordo com o levantamento, quase um terço dos cientistas consultados (32%) relatou ter experimentado pessoalmente, tido conhecimento de colegas que sofreram abusos ou perseguições na comunicação online, comumente na forma de comentários ofensivos ou derrogatórios. Quase um quarto deles (24%) também destacou o maior risco de perseguição ou assédio como um dos problemas trazidos pela maior atenção à ciência, em função da pandemia.

“Um ambiente online hostil só tornará mais difícil para os cientistas abraçarem o lado mais público de sua atuação daqui para frente. Diante destas interações, o apoio e orientação dos departamentos de comunicação e legal de suas instituições, assim como de suas lideranças, serão fatores chave”, avaliam os autores do relatório.

Para tanto, os cientistas consultados pedem mais oportunidades de conversar com formuladores de políticas e tomadores de decisão (57%), treinamento em comunicação (54%) e mais oportunidades para debater com representantes da indústria e setor privado (49%). Com isso, eles sentem que estariam mais capacitados para enfrentar outros dois problemas que a maioria apontou como os maiores trazidos pela maior atenção à ciência devido à pandemia: a “supersimplificação” das pesquisas (52%) e a politização da ciência (56%).

“Combinadas, (estas ações) podem ajudar os cientistas a se sentirem mais confiantes na sua capacidade de comunicar não só os resultados de suas pesquisas, mas também as limitações e incertezas que esperam melhor informar”, acrescenta o relatório.

 

Mais desigualdade

O levantamento da Economist Impact também destacou como a pandemia de COVID-19 exacerbou o problema da desigualdade na ciência, do ponto de vista dos próprios cientistas, alargando a distância nas condições de trabalho que já separava pesquisadores do Hemisfério Sul daqueles do Norte, mulheres de homens e iniciantes de outros mais adiantados na carreira. No Brasil, por exemplo, 68% dos cientistas ouvidos disseram estar preocupados com uma maior desigualdade no acesso a financiamento e recursos para pesquisas devido à pandemia, contra apenas 33% na Alemanha. Sensação que se repete quando os respondentes são iniciantes na carreira (48%) na comparação com pesquisadores renomados (39%), ou cientistas mulheres (50%) e homens (43%).

“Estes problemas são ainda mais pronunciados em regiões como a América Latina, onde a falta de financiamento e desigualdades já existiam. Como resultado, para os cientistas desproporcionalmente impactados pela pandemia, a confiança em suas pesquisas vai depender fortemente da capacidade da comunidade científica em absorver estes impactos tanto no curto quanto no longo prazos”, consideram os autores do relatório.

Não é por nada, por exemplo, que os cientistas brasileiros também foram os que mais se mostraram preocupados com a disseminação da má informação, com 87% concordando que a pandemia aumentou a importância de destacar para o público o que separa pesquisas de boa qualidade de informações enganosas, maior proporção entre os dez países cujos dados foram desagregados no relatório, e bem acima da média global de 69%.

“Cientistas na América Latina, por exemplo, sentiram que as pessoas estavam mais receptivas para a voz dos especialistas, mas também havia narrativas conflitantes e eles tiveram dificuldades em comunicar isso. A forma como os cientistas expressam seus achados frequentemente inclui palavras como ‘poderia’, ‘talvez’, ‘possivelmente’, ‘potencialmente’ – todas muito importantes porque não tinham respostas definitivas -, mas a mídia reempacotava seus achados removendo estas palavras de cautela e enquadrando as coisas como certezas”, avaliou Alejandro Miranda-Nieto, pós-doutorando da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Metropolitana de Oslo (OsloMet) e um dos cientistas entrevistados para confecção do relatório.

“A ciência e o empenho nas pesquisas, lado a lado com o esforço hercúleo dos profissionais de saúde, foram fundamentais no enfrentamento da pandemia de COVID-19. A colaboração global transfronteiriça entre pesquisadores, setores e disciplinas criou um sistema eficiente que entregou avanços extraordinários e inovações rápidas que salvaram vidas”, resumiu Kumsal Bayazit, presidente da Elsevier, ainda no prefácio do relatório.

“Mas a pandemia também trouxe desafios significativos e duradouros para a comunidade científica, incluindo um aumento da má informação, a politização da ciência e um escrutínio nunca antes visto das pesquisas pelo grande público. E embora este escrutínio possa alimentar um maior rigor e reconhecimento, ele também pode aumentar a pressão sobre os cientistas – para que publiquem seu trabalho mais cedo e mais frequentemente, para que identifiquem conhecimentos confiáveis em um crescente oceano de informação, e para que comuniquem suas pesquisas para uma audiência mais generalista, bem como para os tomadores de decisão. A atenção do público para a ciência cresceu, trazendo maior reconhecimento e apreciação das pesquisas, mas o entendimento do público sobre como as pesquisas são conduzidas não aumentou em paralelo. Os achados são um claro chamado para equipar os cientistas com as habilidades necessárias para comunicar suas pesquisas com maior clareza e confiança”.

 

Cesar Baima é jornalista e editor-assistente da Revista Questão de Ciência

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