Máscaras na rua: um ensaio sobre comportamento

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22 nov 2021
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masks

 

ATENÇÃO: Este texto é uma paródia e contém altas doses de ironia, sarcasmo e autorreferência. Embora estruturado como um artigo científico, de forma alguma deve ser encarado como uma pesquisa formal. Seu intuito é ilustrar o equívoco de se basear em evidências anedóticas e o perigo de incorrer em vieses cognitivos para chegar a conclusões que parecem lógicas mas que, mesmo baseadas em dados do “mundo real”, não têm qualquer validade e servem apenas para satisfazer intelectualmente o autor.

 

Máscara ou não, eis a questão: hábitos de uso  antes e depois do fim da obrigatoriedade no Rio de Janeiro

 

Resumo/Abstract

 

Fundamentação:

 

A partir de 27 de outubro de 2021, o uso de máscaras para prevenção da disseminação do SARS-CoV-2, coronavírus causador da COVID-19, deixou de ser obrigatório em ambientes ao ar livre na cidade do Rio de Janeiro. O fim da obrigatoriedade deve provocar uma mudança nos hábitos de uso do equipamento pela população. O presente estudo tem como objetivo identificar a proporção de pessoas que usa máscaras corretamente (cobrindo boca e nariz) andando na calçada de uma rua de um bairro na Zona Sul do Rio a partir de então, e comparar à observada antes de a determinação ser revogada.

 

Materiais e métodos:

Durante quatro dias, entre 16 e 19 de novembro de 2021, às 16h, o autor percorreu a pé dois trajetos de cerca de 600 metros de ida e volta pelo lado ímpar da Rua Visconde de Pirajá, em Ipanema, Rio de Janeiro. Nos dois percursos diários, o autor usou um contador manual para registrar o total de pessoas elegíveis que caminhavam em sentido contrário, e sua prodigiosa memória para contar as que não usavam máscara ou a usavam de forma errônea – em geral nos pulsos ou braços, pescoço, baixada ao pescoço, queixo ou com nariz de fora, aos quais classifica como “Pinóquios” -, anotando os resultados no bloco de notas de seu celular.

 

Resultados:

Ao todo foram contabilizadas 901 pessoas andando neste trecho urbano do Rio de Janeiro nestes dias e horários e nos sentidos designados. Destas, 252, ou 28%, estavam sem máscara ou usando o apetrecho de maneira equivocada e ineficiente. Esta proporção geral pareceu menor que a observada pelo autor nas suas caminhadas habituais ao longo do mesmo percurso e aproximadamente no mesmo horário nos últimos meses da pandemia antes do fim da obrigatoriedade do uso de máscaras nos espaços ao ar livre da cidade, que estima em cerca de 50%, então a grande maioria de “Pinóquios”, e raros sem máscara.

 

Interpretação:

A tendência contraintuitiva de aumento da adesão a um método simples e eficaz de prevenção da transmissão e contágio do SARS-CoV-2 em meio à liberação de um comportamento obrigatório e mal cumprido durante boa parte da pandemia leva o autor a especular que, sem a “garantia” de que a pessoa ao lado estará de máscara, mais indivíduos se preocuparam em se proteger adequadamente, enquanto uma parcela da população já originalmente refratária ao uso de máscaras as abandonou por completo. Tais fenômenos poderiam explicar tanto o quase desaparecimento dos antes numerosos “Pinóquios” - também percebido durante a coleta de dados para este estudo - quanto a elevação do nível geral médio de autoproteção da população relativo ao período imediatamente prévio da pandemia.

 

Fontes de financiamento e conflitos de interesse:

O autor é editor-assistente desta Revista Questão de Ciência, cujo editor-chefe apoiou a realização deste estudo, mas não teve qualquer envolvimento em seu desenho ou execução. Suas motivações foram simples curiosidade e oportunidade de autoconhecimento.

 

 

Introdução:

Em 26 de outubro de 2021, a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) aprovou lei permitindo a flexibilização da obrigatoriedade do uso de máscara pela população, na prevenção da disseminação do SARS-CoV-2, coronavírus causador da COVID-19, nos municípios fluminenses, desde que obedecidas algumas condições, e revogando determinação neste sentido em vigor desde junho de 2020. Sancionada pelo governador Cláudio Castro, dois dias depois a Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro (SES) publicou resolução regulamentando tais condições, como cobertura vacinal mínima de 75% do público-alvo (indivíduos com 12 anos ou mais) e/ou 65% da população total, e situação de risco epidemiológico classificada como moderada, baixa ou muito baixa em mapa semanal.

Diante disso, ainda em 27 de outubro de 2021 o prefeito da cidade do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, emitiu decreto com modificações nas medidas restritivas em vigor na capital do estado. Entre elas, a manutenção da obrigatoriedade no uso de máscaras apenas em ambientes fechados e transportes públicos, e previsão de liberação quase total – à exceção de nos transportes públicos e interior de “áreas hospitalares sensíveis” – quando a cobertura vacinal da população com duas doses ou dose única chegasse a 75%. Pouco mais de duas semanas depois, porém, o alcaide carioca mudou de ideia e, segundo ele, pela primeira vez contrariando a ciência, publicou em 12 de novembro de 2021 novo decreto mantendo a obrigatoriedade do uso de máscaras em ambientes fechados em geral por tempo indeterminado, e independente do nível de cobertura vacinal.

Assim, desde o fim de outubro de 2021 os moradores do Rio de Janeiro estão livres para decidir se usam ou não máscaras ao andar pelas calçadas da cidade. Tal fato abriu a possibilidade de uma mudança de comportamento da população com relação ao seu uso, com uma esperada redução a adesão a uma prática agora não mais obrigatória. Não foi, porém, o que suspeitou o autor a partir de suas observações nas duas semanas seguintes à liberação, motivando-o a realizar este levantamento.

 

Materiais e métodos:

Morador da cidade do Rio de Janeiro, o autor se transformou em um observador obsessivo dos hábitos de uso de máscaras pelos seus concidadãos desde meados de 2020, quando ficou claro que a transmissão do vírus da pandemia de COVID-19 se dá principalmente por via aérea, por meio da inalação de gotículas ou aerossóis expelidos por pessoas infectadas, sintomáticas ou assintomáticas, quando tossem, espirram, falam, cantam, gritam (o autor é meio surdo e depende de aparelhos auditivos para ouvir direito) ou mesmo simplesmente respiram.

Neste processo - e particularmente a partir da instituição da obrigatoriedade do uso de máscaras para prevenção da transmissão e contágio do vírus por força de lei aprovada na Alerj em junho de 2020 -, o autor criou um sistema de classificação dos usuários, em especial dos que falhavam em vesti-las de forma adequada e eficaz para sua finalidade, isto é, bem ajustadas e cobrindo nariz e boca. Entre os tipos mais comuns identificados estão os “pescoçudos” (máscaras baixadas no pescoço) e “queixosos” (baixadas ao queixo) - muitas vezes associados à subespécie dos “faladores” (ao telefone ou, pior, conversando alegremente com outras pessoas sem nenhum distanciamento, o que derruba totalmente a lógica de uso da proteção) -; e os que o autor apelidou de “Pinóquios”, tanto pela própria forma errônea de usar a máscara (com o nariz ostensivamente de fora) quanto pela enganação - e autoenganação - de achar que assim estão cumprindo a norma, se protegendo ou protegendo os outros. Diante disso, e para efeitos deste estudo, todos estes e outros indivíduos que quase dois anos após o início da pandemia de COVID-19 não se mostraram capazes de aprender a usar uma máscara adequadamente serão designados conjuntamente como “Pinóquios”.

Devido à sua já mencionada obsessão, ao longo da pandemia o autor frequentemente fazia estimativas do uso de máscaras de forma correta e eficaz pelas pessoas na rua e ambientes em que circulava ou ingressava, sempre contabilizando os “Pinóquios” como equivalentes a sujeitos sem máscara, o que efetivamente são. A adesão ao uso da barreira protetora jamais chegou a 100% durante toda a crise sanitária, nem em seus piores momentos, nem tampouco em locais sob fiscalização supostamente mais rigorosa, como nos transportes públicos, supermercados e até farmácias, geralmente oscilando em torno dos 75%.

Nos últimos meses, porém, com o avanço da vacinação e consequente diminuição do número de hospitalizações e mortes por COVID-19, o autor notou um progressivo aumento na proporção de “Pinóquios” na cidade, chegando a ultrapassar os 50% em algumas situações (o que lhe fez ficar muito agradecido por ter dispensado as máscaras de pano e adotado como padrão usar as do tipo PFF2, as mais indicadas pelos especialistas para a prevenção da transmissão e contágio por vírus respiratórios como o SARS-CoV-2, e atualmente amplamente disponíveis). Foi portanto com muita surpresa que o autor observou uma reversão desta tendência, justamente a partir do momento que o uso de máscaras deixou de ser obrigatório nas ruas do Rio de Janeiro.

Assim, ao longo de quatro dias seguidos, entre 16 e 19 de novembro de 2021, o autor cumpriu a pé percursos de ida e volta de cerca de 600 metros cada pela calçada do lado ímpar da Rua Visconde de Pirajá, em Ipanema, Zona Sul do Rio de Janeiro. O trajeto foi escolhido por ter sido frequentemente percorrido pelo autor ao longo da pandemia e, desta forma, local de muitas de suas estimativas prévias sobre uso de máscaras pelos seus concidadãos. O lado da via pública também é oposto ao que estão localizados uma praça e as entradas do metrô, que o autor considerou dois possíveis fatores de confusão quanto à decisão da pessoa de estar ou não de máscara. O horário escolhido foi às 16h para evitar intervalos de almoço ou de saída do trabalho, que também poderiam influenciar os resultados.

Nestas breves caminhadas, de aproximadamente seis minutos cada, o autor usou um contador manual para registrar o número de pessoas que cruzaram com ele andando no sentido contrário, e contou de cabeça as classificadas como “Pinóquios”. Não foram levados em conta os tipos de máscara utilizadas. De forma a controlar para outros possíveis fatores de confusão, foram excluídas das contagens pessoas observadas entrando ou saindo de lojas ou galerias comerciais, além de bares ou restaurantes; alimentando-se, bebendo ou fumando; aguardando em pontos de ônibus; de roupas de banho, evidenciando estarem a caminho ou retornando da praia; entregadores e ciclistas; moradores de rua e crianças aparentando menos de dez anos de idade. Os resultados de cada trajeto foram anotados separadamente pelo autor no bloco de notas de seu celular.

 

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Resultados:

 

Levando em conta os critérios de exclusão, foram registradas um total (n) de 901 pessoas caminhando na calçada, das quais 649 (72%) usando máscara de maneira adequada – cobrindo boca e nariz - e 252 (28%) sem máscara ou classificadas como “Pinóquios”.

 

Tabela por dia e trajeto do levantamento

 

Dia 1 (sol)

 

Ida

Total – 120

Pinóquios – 34

Volta

Total – 106

Pinóquios – 29

 

Dia 2 (sol)

 

Ida

Total – 107

Pinóquios – 28

Volta

Total – 126

Pinóquios – 41

 

Dia 3 (nublado)

 

Ida

Total – 111

Pinóquios – 30

Volta

Total – 85

Pinóquios – 24

 

Dia 4 (nublado)

 

Ida

Total – 135

Pinóquios – 39

Volta

Total – 111

Pinóquios – 27

 

 

Discussão:

 

Como o autor suspeitava, a proporção de pessoas observada usando máscara corretamente após o fim da obrigatoriedade do apetrecho em ambientes ao ar livre na cidade do Rio de Janeiro é superior à percebida no período de algumas poucas semanas antes da mudança na legislação. O autor especula que isso se dá porque, sem a garantia de que a pessoa ao lado estará de máscara, os indivíduos optaram por elevar o nível de proteção pessoal, como em resposta a um mecanismo consciente ou inconsciente de autopreservação.

Reforça esta noção a observação durante o estudo de uma grande redução na proporção de “Pinóquios” na rua, que embora em parte substituídos por pessoas que escolheram ignorar por completo a ferramenta de proteção contra a COVID-19 – antes raras devido à obrigatoriedade –, aparentemente não o foram em igual razão às que decidiram incrementar a proteção pessoal passando a usar máscaras corretamente.

O autor considera ainda que tal resultado pode ser uma amostra de como o interesse pessoal tem mais força para induzir e moldar o comportamento humano, e em especial do brasileiro, do que a preocupação com o coletivo e a responsabilidade social. Para ele, isso também ajudaria a explicar porque o Brasil registra mais de 600 mil mortes e uma das maiores taxas de mortalidade por COVID-19 por habitante do mundo nesta pandemia, num comportamento estimulado pelo discurso negacionista do governante máximo da nação, aliado à omissão e ausência de campanhas coordenadas de educação e conscientização sobre métodos de contenção e prevenção da doença de seu governo.

 

P.S.: Como alertado no início deste texto, este “estudo” tem como intenção demonstrar de maneira irônica o equívoco de se basear em evidências anedóticas para chegar a conclusões generalizantes guiadas por vieses cognitivos. A começar por sua premissa básica de mudança na proporção de pessoas que usa máscara de maneira errônea, cujo parâmetro de comparação é baseado apenas em uma impressão pessoal, seguida de uma amostra ínfima (901 pessoas numa cidade com quase 7 milhões de habitantes) circunscrita em um espaço geográfico limitado e conveniente ao autor, ambos não representativos do conjunto da população e da urbe. Além disso, a própria obsessão do autor com o uso correto de máscara pode ter sido exacerbada pelo fim de sua obrigatoriedade, direcionando sua atenção ao tema e à conclusão.

 

 

Cesar Baima é jornalista e editor-assistente da Revista Questão de Ciência

 

Nota do Editor-Chefe: Este artigo tem exatamente o mesmo grau de confiabiliadade dos inúmeros "estudos pragmáticos" e relatos de experiência pessoal de médicos e outros profissionais de saúde usados alhures para sustentar a insustentável viabilidade de "tratamentos precoces" como cloroquina ou ivermectina, e tem um grau de plausibilidade superficial que supera o da maioria deles. A mistura entre critérios "objetivos" para a entrada de dados (um conta-cliques mecânico) e subjetivos para a saída (a memória e a impressão pessoal do autor) são uma marca frequentemente vista em pesquisas sobre pseudotratamentos, principalmente em estudos de medicina alternativa. Este editor agradece ao autor pela iniciativa de publicá-lo aqui como paródia, em vez de submetê-lo a algum periódico semi-predatório, onde certamente seria publicado, com direito a número DOI e entrada no Currículo Lattes.

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