Vacinar-se é benefício, não “sacrifício”

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20 jul 2021
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O CDC, órgão federal do governo dos Estados Unidos que tem a missão de controlar epidemias, registra uma taxa de mortes após vacinação para COVID-19 – e isso inclui todo tipo de morte, até gente que tomou a vacina e foi atropelada na esquina – de 0,0018%. Ainda segundo o CDC, a taxa de pessoas que desenvolveu alguma forma grave de COVID-19, mesmo depois de plenamente vacinadas, é de 0,003%. Dessas, 988 morreram, uma taxa de 0,0006%.

No Brasil, um país que vacina pouco e mal quando se trata de COVID-19 (apenas 16% da população plenamente vacinada até agora), cerca de 3% das pessoas diagnosticadas com o vírus SARS-CoV-2 morrem. Nos Estados Unidos, país que vacina muito e bem (49% totalmente vacinados) morrem 2% das pessoas diagnosticadas.

Repetindo: a mortalidade geral por COVID-19 nos EUA é de 2%. No subgrupo de vacinados é de 0,0006%. No Brasil, a mortalidade geral causada pelo novo coronavírus é de 3%, e a mortalidade por COVID-19, pós-vacina, 0,004%. A diferença, tanto na mortalidade geral quanto na dos vacinados, é resultado da confluência de uma variedade de causas, incluindo desde a adesão da população a medidas preventivas (distanciamento, máscara) à taxa geral de imunizações em cada país.

Esses números mostram que a ideia, que parece estar se propagando aqui no Brasil, de que vacinar-se significa expor-se a um risco desconhecido, maior do que o de se manter aberto e vulnerável ao vírus, não se sustenta. Ter mais medo da vacina do que do SARS-CoV-2 faz tanto sentido quanto ter mais medo de pegar táxi do que de dirigir bêbado.

 

Outros efeitos

Vamos falar de efeitos adversos? Vamos falar de efeitos adversos. Na estatística do CDC, as mortes atribuídas a eles estão embutidas naqueles 0,0018% de óbitos ocorridos após a vacinação e, portanto, representam apenas uma fração desse total. Que fração?

Segundo o CDC, “uma revisão dos dados clínicos, incluindo certidões de óbito, autópsias e registros médicos não estabeleceu elo causal entre COVID-19 e vacinas”. Em outras palavras, não há razão para acreditar que qualquer uma das 6 mil mortes pós-vacinais tenha tido algo a ver com alguma vacina.

A única ressalva feita pela instituição refere-se à trombose com síndrome de trombocitopenia que talvez (ênfase no “talvez”) seja um efeito adverso raro da vacina Janssen, de dose única. Essa síndrome é tratável, mas pode, em algumas situações, levar à morte. O CDC registrou 35 casos de trombose em 12,8 milhões de doses aplicadas, o que dá um risco de 0,0003%. Mal comparando, o risco de trombose durante uma gravidez é mais de mil vezes maior.

A Agência Europeia de Medicamentos (EMA), por sua vez, fez um alerta sobre um possível (de novo, ênfase no “possível”) elo entre a vacina AstraZeneca e o mesmo tipo de problema, trombose com síndrome de trombocitopenia, mas ressaltando que “o equilíbrio risco-benefício” segue favorável ao imunizante.

No Brasil, a Anvisa mantém uma tabela online sobre suspeita de eventos adversos relacionados a todo tipo de medicamento, incluindo vacinas. O próprio site da agência adverte – seguidas vezes – que os eventos são “suspeitos”, isto é, sua conexão com as vacinas ou medicamentos não está confirmada, requerem investigação antes que se possa afirmar que foram, de fato, precipitados por algum tratamento: o ocorrido pode representar simples coincidência. O fato de uma pessoa ter um ataque cardíaco dez minutos depois de tomar um copo de água não basta para incluir infarto na lista de efeitos adversos confirmados da água.

Feitas as ressalvas, os números: havia, quando este artigo foi escrito, 8.196 eventos adversos suspeitos de terem sido causados por vacinas para COVID-19 aplicadas no Brasil. Havendo 94 milhões de pessoas vacinadas com pelo menos uma dose, isso dá 0,008% de vacinados com alguma suspeita de evento adverso. A esmagadora maioria (91%) desses eventos suspeitos são dor de cabeça ou febre. Mortes são 584, ou 0,0006%.

Segundo os dados oficiais disponíveis, hoje no Brasil cerca de 9% da população tem ou teve COVID-19. O risco de vida, uma vez contraída a doença, vamos nos lembrar, é da ordem de 3%. Fazendo as contas, o risco de um cidadão genérico pegar COVID-19 e morrer, no Brasil de hoje, é de 0,27%.

 

“Sacrifício”

Mesmo admitindo a hipótese mais pessimista possível, de que todas as mortes consideradas suspeitas de efeito adverso tenham realmente sido causadas por algum problema de alguma vacina, o risco de um brasileiro genérico morrer de COVID-19 é 450 vezes maior do que o de um vacinado morrer de vacina, e 67 vezes maior do que a de um vacinado morrer de COVID-19.

Alguns supostos “pensadores liberais” (os liberais que realmente pensam fariam bem em chutá-los para longe) andam tentando vender a ideia de que, por causa dos efeitos adversos e da possibilidade remota de morte, campanhas de vacinação buscam impor ao cidadão um “sacrifício” em nome da coletividade: que ele se exponha a riscos, seja “cobaia de um experimento”, para ajudar o “grupo” a atingir imunidade coletiva.

A realidade: não se vacinar é que representa escolher seguir sendo cobaia de um experimento perverso (testar os efeitos de um vírus descontrolado numa população humana). Vacinar-se reduz o risco de ser vítima desse “teste” de modo substancial. A vacina traz benefícios reais. Se alguém está se sacrificando, é quem recusa a vacina. Não é um sacrifício estritamente individual, porque põe as pessoas do entorno em perigo. Nem sequer tem motivos nobres. Vem de um temor sem fundamento ou, pior, de um arremedo de ideologia.

Carlos Orsi é jornalista, editor-chefe da Revista Questão de Ciência e coautor do livro "Ciência no Cotidiano" (Editora Contexto)

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