O serviço de notícias do Senado Federal informa que, nesta última semana de novembro, as Casas do Congresso Nacional serão iluminadas de verde como parte da campanha “Novembro Verde: Trate-se com Homeopatia”, da Associação Médica Homeopática Brasileira (AMHB). O que vem mostrar que o consenso científico universal de que a homeopatia é uma modalidade terapêutica ineficaz e baseada em princípios pseudocientíficos tem menos peso, no Parlamento brasileiro, do que o lobby das corporações profissionais.
Mas, claro, a constatação de que, em Brasília, lobbies falam mais alto do que fatos científicos não deve ser novidade para ninguém. A nota do Senado (baseada, segundo crédito apensado ao rodapé, em informações da própria AMHB), no entanto, é instrutiva: não tanto pelo que afirma, mas pelo que omite.
Por exemplo, ao definir homeopatia, o comunicado oficial diz apenas o seguinte: “Ela atua por meio de estímulos energéticos desencadeados por medicamentos com o intuito de reequilibrar a energia vital da pessoa, sem efeitos adversos”.
Em que pese a presença embaraçosa, aí, do conceito mágico de “energia vital” – uma ideia abandonada pela biologia em 1848, quando Friedrich Wöhler (1800-1882) demonstrou que moléculas orgânicas podiam ser sintetizadas por processos químicos comezinhos, sem a necessidade de nenhuma “energia” especial –, o fato é que nenhuma palavra é dita sobre os pilares da teoria homeopática: as diluições infinitesimais (também chamadas de “potencialização do medicamento”) e o princípio da cura pelos semelhantes.
Esse silêncio, intencional ou não, tem o mérito, talvez involuntário, de ser prudente: pesquisa de opinião conduzida nos Estados Unidos em 2019 mostrou que uma parcela considerável do público que consome medicamentos homeopáticos sente-se traída ou enganada quando recebe uma explicação correta dos princípios por trás dessa prática.
Os princípios
Cura pelos semelhantes ou, na formulação clássica em latim, similia similibus curantur, “semelhantes curam-se pelos semelhantes”, afirma que uma substância que produz, numa pessoa saudável, os sintomas de que o paciente se queixa, deve ser capaz de curar esse paciente.
Potencialização do medicamento assevera que o poder curativo de uma substância é tanto mais ampliado (potencializado) quanto mais diluída a substância estiver.
“Cura pelos semelhantes” não é um princípio com validade geral em medicina. Sua adoção irrestrita no meio homeopático – ele está consagrado no próprio nome da doutrina (“homeopatia” significa, literalmente, “semelhante à doença”) – reflete uma experiência pessoal do fundador da prática, no século 18, mas que jamais foi reproduzida em experimentos controlados posteriores.
Mais problemático é o princípio da potencialização, que contradiz leis fundamentais da física, da química e da farmacologia. Diluições homeopáticas tipicamente são tão intensas que nem uma única molécula do suposto princípio ativo resta na solução final.
Vale a pena insistir nesse ponto: não existe nenhum procedimento analítico conhecido pela ciência capaz de distinguir um preparado homeopático de água limpa: em outras palavras, “medicamentos” homeopáticos não passam, efetivamente, de água limpa, consumida pelos pacientes pura, misturada a álcool ou aspergida sobre bolinhas de açúcar.
“Opções”
A nota do Senado diz ainda que “os benefícios do tratamento [homeopático] já foram comprovados” – sem dizer por quem e para quê – e cita um senador afirmando que “quanto mais opções de tratamento forem disponibilizadas aos pacientes, melhores serão os resultados”.
O que é uma falácia óbvia: não basta multiplicar opções, é preciso que as opções sejam eficazes. Aumentar o número de respostas erradas num teste de múltipla escolha só faz confundir o aluno. E se em vez de um estudante fazendo prova temos um paciente em busca de cura, a situação torna-se ainda mais grave.
A iniciativa de colorir o Congresso de verde veio a público 48 horas após o Dia Nacional da Homeopatia, 21 de novembro – mesma data do lançamento do Contra-Dossiê das Evidências sobre Homeopatia publicado pelo Instituto Questão de Ciência, que mantém esta revista.
O Contra-Dossiê é uma resposta ao “Dossiê Especial: Evidências Científicas em Homeopatia”, publicado em 2017 como edição especial da Revista de Homeopatia, da Associação Paulista de Homeopatia (APH), e elaborado pela Câmara Técnica de Homeopatia do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP).
O verde, ainda segundo a nota do Senado, foi escolhido porque, para a AMHB, é “a cor do equilíbrio interno”. Deve haver algum motivo para isso. Mas há outras referências a considerar: em literatura, às vezes o verde é a cor da imaturidade, da inveja ou do ciúme (o “monstro de olhos verdes” de Shakespeare).
E há “O Alienista”, de Machado de Assis, onde Simão Bacamarte, um médico bem-intencionado – mas, no fim, uma figura tragicômica, vítima da própria vaidade – acaba internando-se a si mesmo num manicômio de nome sugestivo: “Simão Bacamarte curvou a cabeça juntamente alegre e triste, e ainda mais alegre do que triste. Ato contínuo, recolheu-se à Casa Verde”.
Carlos Orsi é jornalista, editor-chefe da Revista Questão de Ciência e coautor do livro "Ciência no Cotidiano" (Editora Contexto)