O Brasil finalmente concordou em aderir à iniciativa Covax, liderada pelo grupo Gavi (Aliança Global de Iniciativas de Vacina), CEPI (Coalizão de Preparação para Inovação em Epidemias) e a OMS (Organização Mundial da Saúde).
A iniciativa Covax foi criada com o objetivo de garantir acesso igualitário às diversas vacinas que venham a ser aprovadas para COVID-19. Sem um mecanismo de proteção para os países pobres e com menos recursos, corre-se o risco de as doses das primeiras vacinas aprovadas serem arrebatadas pelos países mais ricos, deixando os demais na fila de espera. Essa solução não beneficia ninguém a longo prazo, pois a pandemia é um problema global, e o vírus não conhece fronteiras.
Assim, garantir a vacinação de alguns poucos países e manter o vírus circulando pelo resto do mundo não é solução. A Covax procura resolver este problema, e ainda garantir o financiamento necessário para o desenvolvimento de mais vacinas.
Há várias vacinas em teste. Muitas simplesmente não vão funcionar. Acordos feitos diretamente com o fabricante, como o Brasil fez com a empresa Sinovac e com a Universidade de Oxford/AstraZeneca, são promissores e garantem um certo número de doses, além da transferência de tecnologia para manufatura local, mas implicam o risco de ficarmos comprometidos com vacinas que talvez não venham a ser aprovadas. É um risco necessário, assumido com parceiros sérios, mas ainda assim, um risco.
A Covax funciona como um seguro: seus membros recebem a a garantia de que terão acesso precoce às vacinas aprovadas pela OMS. Com a Organização Mundial da Saúde agindo como ente centralizador e moderador - que se responsabiliza pela negociação dos lotes diretamente com as empresas - ganha-se escala, poder de barganha, transparência, capacidade logística e segurança. Como existem várias vacinas parceiras, fazer parte deste seguro minimiza o risco da aposta em vacinas que ainda não passaram por todos os testes necessários, e garante o acesso às vacinas que realmente demonstrem eficácia e segurança.
As vacinas envolvidas, por ora, são:
Inovio, EUA (Fase I/II)
Moderna, EUA (Fase III)
CureVac, Alemanha (Fase I)
Institut Pasteur/Merck/Themis, França/ EUA /Áustria (Pré-clínica)
AstraZeneca/Universidade de Oxford, Reino Unido e Irlanda do Norte (Fase III)
Universidade de Hong Kong, China (Pré-clínica)
Novavax, EUA (Fase I/II)
Clover Biopharmaceuticals, China (Fase I)
University of Queensland/CSL, Austrália (Fase I)
Os países membros pagantes se comprometem a fazer um aporte inicial, que será usado pela iniciativa para financiar o desenvolvimento e a capacidade de fabricação e distribuição de vacinas das empresas parceiras. Esse aporte pode ser realizado de duas formas distintas. A modalidade de Commited Purchase Arrangement (Contrato de Promessa de Compra) determina que os países signatários aportem um valor reduzido por dose (US$ 1,60), devendo, contudo, oferecer garantia financeiras para dispêndio obrigatório futuro da ordem de US$ 8,90 por dose.
Havendo vacinas disponíveis, a Covax disponibilizará ao país parceiro o produto que definir entre os elegíveis, utilizando o saldo inicial e as garantias financeiras até atingir o total de doses contratadas ou, no caso de o custo das doses exceder o previsto, até esgotar os recursos disponibilizados. Há uma cláusula de saída, com devolução das garantias, caso o preço da dose ultrapasse US$ 21,10. Já a modalidade Optional Purchase Arrangement (Contrato de Compra Optativa) exige um aporte inicial por dose maior (US$ 3,10) e não requer garantia financeira adicional. Nesse caso, há a possibilidade de o país signatário escolher quais produtos vacinais deseja receber, conforme disponibilidade.
Em suma, a primeira opção exige menos aporte inicial, mas demanda grande reserva financeira e expõe o parceiro à volatilidade de preços negociados entre a Covax e a fornecedora. No segundo caso, apesar do aporte maior já em um primeiro momento, há garantia de que o preço previamente pago por dose é fixo, havendo a possibilidade de definir de quais fornecedores serão obtidas as doses.
O comprometimento obrigatório em doses, em qualquer das modalidades escolhidas, é de 10% a 50% da população do país signatário. Isso quer dizer que no Brasil, com seus 210 milhões de habitantes, a aquisição máxima possível seria de 105 milhões de doses únicas, ou 210 milhões de vacinas que exijam duas doses.
Assim que as primeiras vacinas forem aprovadas pela OMS, todos os países membros receberão inicialmente as doses necessárias para vacinar 20% de suas populações (ou o total contratado, caso menos de 20%). Assim que cumprido o requisito, serão realizadas distribuições adicionais, até que a totalidade de doses contratadas sejam entregues a todos os países membros da iniciativa.
Além dos modelos de ingresso por pagamento, como descritos acima, a Covax prevê para 92 países a possibilidade de receber vacinas do consórcio com custos total ou parcialmente subsidiados. Considerando os países que já manifestaram interesse e os elegíveis para subsídios, há mais de 170 países potencialmente envolvidos. Uma escala sem precedentes para uma ação coordenada de saúde pública global que envolva tanta complexidade.
Natalia Pasternak é pesquisadora do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, presidente do Instituto Questão de Ciência e coautora do livro "Ciência no Cotidiano" (Editora Contexto)
Paulo Almeida é psicólogo, advogado, doutorando em administração pública e membro do Conselho Editorial da Revista Questão de Ciência