O presidente da República, Jair Bolsonaro, é a “maior ameaça” a uma resposta adequada do Brasil à pandemia de COVID-19, considera a revista médico-científica “Lancet”, uma das mais prestigiosas do mundo na área de saúde, em um duro editorial da sua edição desta semana. Segundo a “Lancet”, ou Bolsonaro muda radicalmente de atitude ou deve ser sacado do poder para o bem do país. Na semana passada a doença se alastrava, pelo Brasil, no ritmo mais rápido entre as 48 nações mais afetadas do planeta.
Intitulado “COVID-19 e o Brasil: ‘E daí?’”, o texto cita a infeliz, e agora internacionalmente notória, resposta do presidente a questionamentos de jornalistas na semana passada sobre a disparada no número de casos e mortes de brasileiros pela doença, para destacar a falta de liderança e ação do governo federal na gestão da crise. A revista também critica Bolsonaro por agir e falar contra as medidas recomendadas e necessárias para sua contenção.
“Ele não só continua a semear confusão ao abertamente desdenhar e desencorajar as medidas sensatas de distanciamento social e quarentena adotadas por governadores e prefeitos, como também perdeu dois importantes e influentes ministros nas últimas três semanas [Luiz Henrique Mandetta, da Saúde, e depois Sérgio Moro, da Justiça]… Tal desordem, no cerne de seu governo, é uma distração letal no meio de uma emergência em saúde pública, e também um sinal claro de que a atual liderança do Brasil perdeu sua bússola moral, se é que algum dia teve uma”, diz o editorial na “Lancet”.
A revista lembra que o Brasil enfrentaria uma situação difícil com a COVID-19, mesmo que não houvesse este “vácuo” de ações federais, mas ela pode ganhar contornos trágicos, dada a postura de Bolsonaro e seu governo. Com milhões de pessoas morando em favelas, muitas dividindo um único cômodo e com pouco ou nenhum acesso a água limpa, as recomendações de higiene e distanciamento social são quase impossíveis de serem seguidas. Soma-se a isso o alto nível de informalidade na economia; e a crise de saúde também piora o já grave cenário social, enquanto a população indígena pode ser vítima de um “genocídio”, com madeireiros e garimpeiros invadindo suas terras e levando a doença a regiões remotas.
Para a “Lancet”, a salvação do Brasil está vindo, por enquanto, dos esforços da comunidade científica e da sociedade civil no enfrentamento da pandemia. Segundo a revista, embora muitas organizações científicas, como a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), já criticassem Bolsonaro pelos cortes nos investimentos em pesquisas, o desmantelamento do sistema de seguridade social e o sucateamento dos serviços públicos, no contexto da COVID-19 estas e muitas outras instituições lançaram manifestos direcionados ao público em geral, que responde frequentemente batendo panelas durante pronunciamentos do presidente, e às autoridades, pedindo unidade e soluções conjuntas.
“Há muitas pesquisas em curso, da ciência básica à epidemiologia, e uma rápida produção de equipamentos de proteção pessoal, respiradores e kits de testagem”, elogia o texto. “Estas são ações promissoras. Mas liderança nos mais altos níveis do governo é crucial para rapidamente evitar as piores consequências desta pandemia, como já ficou evidente em outros países”, acrescenta.
Diante disso, o editorial da “Lancet” conclui: “O Brasil como país tem que se unir para dar uma resposta clara ao ‘E daí?’ de seu presidente. Ele precisa mudar drasticamente de rumo, ou deve ser o próximo a sair”.
Cesar Baima é jornalista científico e editor-assistente da Revista Questão de Ciência