A astrologia, a mais antiga e popular teoria da personalidade humana, não funciona. Tive um pequeno papel em provar isso quando uma estudante, entusiasta da astrologia, procurou-me e disse que queria fazer um teste de astrologia para sua tese. Para ser justo com ela, informo que ela estava disposta a levar em conta os resultados que aparecessem. Com um pouco de orientação, ela desenhou um teste duplo-cego em que estudantes universitários receberam seu horóscopo real, baseado em um mapa astral produzido por um programa de astrologia comercial de renome, e um falso horóscopo selecionado aleatoriamente.
Cada participante tinha uma chance de 50% de escolher seu próprio horóscopo, e assim eles o fizeram. Na verdade, os alunos obtiveram uma taxa de acerto de 46%, indicando que havia uma leve (embora não estatisticamente significante) tendência de os alunos escolherem o falso horóscopo, em vez do seu próprio.
Para eliminar a possibilidade de os estudantes universitários não saberem nada sobre suas próprias personalidades, minha aluna também fez com que cada participante preenchesse um teste de personalidade padrão. Foi dada uma escolha semelhante: quando o perfil da sua própria escala de personalidade era pareado com o perfil de outra pessoa aleatória, os alunos se saíram muito melhor. Desta vez, houve uma taxa de identificação correta de 79%, muito acima do que seria esperado numa escolha ao acaso. Então, a astrologia não funcionou, mas um teste de personalidade amplamente utilizado, sim.
Os resultados da tese da minha aluna foram consistentes com uma longa série de testes similares, mostrando que a astrologia não fornece uma descrição precisa da personalidade. Essa estudante publicou sua pesquisa no Journal of General Psychology (Wyman and Vyse 2008).
Embora minha aluna tenha aceitado a precisão de seus resultados, tenho certeza de que ela não desistiu de sua crença na astrologia – e não é a única a se sentir assim. Apesar das evidências esmagadoras de que a astrologia é baseada em uma teoria pseudocientífica e não é uma medida confiável da personalidade (muito menos uma bola de cristal para o futuro), essa antiga forma de adivinhação não sofreu uma redução de popularidade.
De fato, um artigo de Julie Beck (2018), na revista The Atlantic, sugere que estamos vivendo um boom na astrologia entre os millennials, impulsionado pela redução do estigma e pelo marketing na internet. A astrologia é particularmente popular na Índia, onde, de acordo com uma projeção, a indústria online conquistará US$ 3 bilhões até 2020 (Magon 2017). Mas pode haver outras explicações para a popularidade da astrologia neste momento.
O básico
A astrologia é um sistema de crenças que liga a localização das estrelas e planetas no momento do nascimento de uma pessoa à determinação de sua personalidade; seus proponentes afirmam que é possível dsenhar um mapa natal que revele sua natureza básica. Além disso, durante toda a sua vida, as posições das estrelas continuam a influenciar sua vida, fazendo com que pareça útil consultar seu horóscopo diário para descobrir o que vai acontecer e como você deve enfrentar o dia. A astrologia é usada e apresentada de várias maneiras.
Um estudioso escreveu que [a astrologia] “pode ser considerada, dependendo das definições de todas essas palavras, magia, adivinhação, uma ferramenta psicológica, uma religião, uma arte ou uma ciência” (Campion 2016, 1). Acredita-se que a astrologia tenha surgido na Babilônia no segundo milênio AEC como uma forma mais simples de presságio astrológico, ligada ao calendário e às constelações. Evidências de tábuas com inscrições cuneiformes sugerem que uma astrologia natal mais próxima dos horóscopos de hoje surgiu entre os séculos 7 e 4 AEC (Holden 2006).
Dadas as suas origens ancestrais, a astrologia até que tem sido muito bem sucedida. As pesquisas do instituto Gallup sugerem que aproximadamente 25% dos adultos nos Estados Unidos, no Reino Unido e na França acreditam em astrologia (citado por Campion 2016). Além disso, a astrologia é uma espécie de linguagem universal e também fonte para péssimas cantadas. Segundo algumas estimativas, 90% dos adultos conhecem seu signo solar astrológico (Campion 2017).
A demografia da crença
Um dos aspectos mais notáveis da crença na astrologia é que ela é mais frequentemente aceita pelos liberais. Um estudo do Pew Research Center de 2009 descobriu que pessoas que se descreviam como liberais tinham quase o dobro de probabilidade de dizer que acreditam em astrologia do que autodeclarados conservadores: 30% dos liberais, em comparação com 16% dos conservadores (Liu 2009).
Da mesma forma, um estudo de 2015 usando dados do General Social Survey da National Opinion Research Survey da Universidade de Chicago descobriu que os conservadores eram mais propensos a endossar a declaração "confiamos demasiado na ciência em vez de confiar na fé religiosa", enquanto os liberais eram mais propensos a ter consultado seu horóscopo diário ou perfil astrológico (DellaPosta, Shi e Macy 2015, 1482–1483).
De acordo com o estudo Pew, a crença também tem mais probabilidade de se manifestar entre os jovens, com a faixa etária de 18 a 29 anos apresentando um nível de crença de 30%. Esse nível cai a cada faixa etária subsequente. Apenas 18% das pessoas de 65 anos ou mais endossaram a astrologia.
A educação também foi sistematicamente associada a níveis mais baixos de crença, com 18% dos graduados universitários endossando a astrologia, em comparação com 30% daqueles no ensino médio, ou menos. Por fim, tanto para os protestantes quanto para os católicos, ir à igreja com mais frequência estava relacionado a níveis mais baixos de crença na astrologia (Liu 2009).
A psicologia da crença
O fato de a astrologia ser tão notavelmente resistente talvez explique por que a pesquisa sobre a psicologia dessa crença tenha uma história longa e contínua. Uma contribuição inicial da pesquisa identificou uma das razões pelas quais as pessoas tendem a se reconhecer em seus horóscopos – não importa o que o astrólogo diga. O psicólogo Paul Meehl chamou isso de "Efeito Barnum", uma referência ao lema do célebre showman P.T. Barnum: "Nasce um otário a cada minuto". Mas a mais famosa demonstração inicial do efeito Barnum foi feita por Bertram Forer (Forer, 1949; Meehl, 1958).
Forer deu a uma turma de estudantes de psicologia um questionário de personalidade para preencher e depois distribuiu o que os alunos presumiram ser textos descrevendo uma personalidade única. Na verdade, todos os textos eram iguais, e foram retirados de um livro de astrologia comprado em uma banca de jornal. Quando o professor pediu aos alunos que avaliassem a precisão do relato, a esmagadora maioria dos entrevistados considerou-o extremamente preciso.
O mágico James Randi conduziu uma demonstração em sala de aula do Efeito Barnum em uma transmissão da rede PBS NOVA (Carlson 2000). Note que os horóscopos são particularmente suscetíveis ao Efeito Barnum, já que tendem a ser escritos em termos ambíguos, não específicos, que podem ser interpretados de muitas maneiras, mas os testes psicológicos também são propensos ao Efeito Barnum (Wyman e Vyse 2008). Outro fator que contribui na aceitação de horóscopos é se a descrição é positiva ou negativa.
Em um teste usando horóscopos que variavam em sua conotação positiva ou negativa, Hamilton (2001) descobriu que (como esperado) as pessoas estavam mais dispostas a dizer que seu horóscopo era válido se a descrição fosse geralmente positiva; entretanto, ao usar um método de teste diferente numa amostra alemã, Wunder (2004) não encontrou nenhum efeito do favorecimento do signo solar.
Por algum tempo após o estudo de Forer, a maioria das investigações científicas da astrologia foram testes de validade (Tyson 1984; Carlson 1985; Hartmann, Reuter e Nyborg 2006). Um grupo de estudos tentou determinar se a pessoa é reconhecível na descrição oferecida no horóscopo (semelhante à tese proposta por minha aluna).
Em alguns casos, em vez de o indivíduo escolher seu próprio horóscopo a partir de uma seleção de horóscopos, a identificação era feita por um amigo ou parente que conhecia bem o indivíduo-alvo (Tyson, 1984), mas essa técnica não produziu melhores resultados.
Outra abordagem, usada por Hartmann e colegas (2006), foi aplicar um teste psicológico validado de personalidade a um grande grupo de pessoas e tentar encontrar qualquer traço de personalidade que estivesse associado aos signos astrológicos dos participantes. Este método também ficou aquém. Assim, o resultado esmagador de muitos estudos é que os horóscopos não são descrições válidas de personalidade.
Uma das principais explicações para a crença na superstição é o desejo de controle sobre eventos incontroláveis (Vyse 2014), e vários estudos sugerem que o desejo de controle também é um fator importante na crença na astrologia. Por exemplo, em um estudo finlandês, Outi Lillqvist e Marjaana Lindeman (1998) distribuíram questionários a pessoas que se inscreveram para aulas de educação de adultos em estudos de introdução à astrologia, psicologia ou alemão.
Em comparação com os alunos das outras turmas, os estudantes de astrologia relataram ter passado recentemente por mais crises pessoais (por exemplo, divórcio, infidelidade ou filhos saindo de casa). Curiosamente, mesmo entre os grupos de controle que fizeram aulas de psicologia ou de alemão, aqueles que relataram maior crença na astrologia também relataram ter sofrido mais crises de vida. Assim, parece que quando as pessoas perdem o equilíbrio e são abaladas pelo mundo, a astrologia fornece um senso de ordem e controle.
Em um estudo de laboratório, os participantes de uma pesquisa norte-americana deviam julgar o nível de precisão de um horóscopo. Mas, antes de fazer o julgamento, eles passaram por um processo para contruir a sensação de controle ou falta dele.
Foi assim: pediu-se a metade dos participantes que relembrasse uma ocasião em que algo aconteceu em que eles estavam no controle da situação, e à outra metade foi pedido que lembrasse de uma ocasião em que algo aconteceu, mas eles não estavam no controle. No momento de julgar os horóscopos, o grupo "descontrolado" relatou que seu horóscopo era mais preciso. Juntos, esses estudos apontam que a astrologia é usada como uma forma de “controle compensatório” para estabilizar os seguidores em momentos de insegurança (Landua, Kay e Whitson 2015).
Os ingredientes para um boom de astrologia
O resumo acima fornece algumas dicas sobre por que a astrologia pode estar em ascensão no momento. Primeiro, é um movimento juvenil, e outro estudo recente da Pew Research mostra que os millennials são menos religiosos do que as gerações anteriores – mas não menos espiritualizados.
Em resposta à pergunta: “A religião é muito importante”, apenas 41% dos millennials disseram que sim, em comparação com 59% dos baby boomers (a geração nascida após a Segunda Guerra Mundial). Ao mesmo tempo, os millennials mostraram-se muito parecidos com outras gerações em questões sobre ter um senso de admiração pelo universo, sentimentos de gratidão e uma preocupação com significado e propósito (Alper 2015). Portanto, para algumas pessoas mais jovens para quem a religião tradicional não tem tanto apelo, a astrologia pode fornecer uma saída espiritual.
Em segundo lugar, é muito provável que dois fatores se combinem para tornar a astrologia mais atraente no momento: o liberalismo e a necessidade de controle. A astrologia tem um apelo mais forte para os liberais do que para os conservadores, e nos Estados Unidos, desde novembro de 2016, o mundo liberal foi abalado. É bem provável que na sociedade norte-americana atual, liberais estejam em busca de algum senso compensatório de controle.
Os conservadores estão se sentindo melhor, mas, mesmo que o jogo virasse, eles estariam mais propensos a se refugiar na religião do que na astrologia ou em outras formas de espiritualidade, de acordo com os dados da pesquisa do Pew. Mas não seria a primeira vez que a história contribui para a crença no paranormal.
Estudos anteriores mostraram um interesse crescente em astrologia e outras crenças ocultistas durante períodos de estresse econômico e político, como na Alemanha durante a década de 1930 (Padgett e Jorgenson, 1982). Da mesma forma, o programa NOVA “Secrets of the Psychics”, no qual James Randi demonstrou o Efeito Barnum, foi produzido em resposta a um aumento no interesse pelo paranormal na Rússia, após a queda do Muro de Berlim e o colapso da União Soviética.
Finalmente, não podemos ignorar um fator adicional óbvio: a internet. Atualmente, há menos comerciais de televisão de videntes que atendem pelo telefone do que no passado, mas a internet explodiu como um novo veículo para adivinhos e astrólogos. A geração dos millenials é muito adepta de computadores e smartphones, e a internet oferece a oportunidade de ler um horóscopo ou consultar um astrólogo sem medo de estigma ou ridículo.
Se, como desconfio, nem mesmo minha aluna abandonou a astrologia depois de descobrir evidências de que se trata de pseudociência sem fundamentos (como prova adicional para essa hipótese, devo dizer que ela me deu um livro de astrologia quando se formou), deve haver uma grande público para signos solares e mapas astrais. Além disso, a ascensão de uma geração que não é tão tradicionalmente religiosa quanto as anteriores, mas ainda busca um tipo de satisfação espiritual, combinada com a derrocada da política liberal nos Estados Unidos e no exterior, criou um ambiente fértil para essa forma de superstição e irracionalismo.
A atual tempestade pseudocientífica pode passar, mas a história da minha aluna sugere que a evidência sozinha pode não ser suficiente para transformar crentes em racionalistas.
Stuart Vyse é psicólogo e autor de “Believing in Magic: The Psychologicy of Supersitition, que ganhou o prêmio William James Book Award da American Psychological Association. Também é autor de “Going Broke: Why American’s Can’t Hold on to Their Money”. Como especialista em comportamento irracional, ele é frequentemente citado na imprensa e fez aparições na CNN International, na PBS NewsHour e na Science Friday da NPR. Sua conta no Twitter é @stuartvyse.
Stuart Vyse fará uma palestra na Livraria Cultura, em São Paulo, no início de agosto. Mais detalhes e inscrições em bitly.com/vyseraizes.
Este artigo foi publicado originalmente na revista Skeptical Inquirer. O texto em inglês pode ser encontrado aqui.
REFERÊNCIAS
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