Antes de mais nada
Como muitos de vocês sabem, no dia 25 de maio, Pirulla, um dos mais importantes divulgadores científicos brasileiros, sofreu um AVC. Ele foi prontamente atendido e segue internado em uma UTI. O quadro é estável, mas requer atenção. Segundo nota d’Os Três Elementos, podcast do qual o Pirulla faz parte, “Diante dessa situação, a comunidade de divulgadores científicos e amigos próximos estão se mobilizando para apoiar sua família e ajudar a manter seus canais em funcionamento durante esse período de afastamento”. No site www.pirulla.com.br você encontra informações para fazer a sua colaboração, caso possa e deseje. Se você não puder ajudar financeiramente, sugiro que dê uma olhada nos vídeos do Pirulla, para manter a roda girando e fortalecer o canal durante esse período de afastamento. Como alguém que deve muito a esse estimado amigo, peço sua ajuda nesse momento tão difícil. A recuperação é longa, então toda ajuda é bem-vinda. Peço também que respeitem o Pirulla e a família: evitem especulações. Para informações oficiais, veja os canais do Pirulla (YouTube) e d’Os Três Elementos (YouTube e Instagram). Obrigado desde já!
E de volta à programação normal

Naturalmente, há uma lacuna enorme entre como cientistas e público em geral compreendem a atividade científica. Por exemplo, entre os aficionados pela paleontologia, uma porção considerável dos que acompanham os debates (acalorados demais, quase sempre desnecessariamente), é muito comum achar que estudo mais novo = estudo melhor. Funciona da seguinte forma: a gente achava que o Spinosaurus era assim em 2019, mas daí veio esse artigo agora e argumenta que na verdade o Spinosaurus era assado. Então, era assado, não assim. Nota pessoal: acho essa discussão chatíssima (e olha que sou paleontólogo).
Certamente essa não é uma característica exclusiva da paleontologia. Mas o público não entende apropriadamente como funciona o processo, o fazer da ciência. Temos essa ideia de que a descoberta é sempre progressiva. Einstein é mais recente, reformulou (ou até mesmo refutou) o que Newton propôs; Darwin foi um progresso em relação às ideias vigentes no século 19, daí no século 20 a Síntese Moderna criou algo ainda melhor, mais perto da verdade. Se é assim, natural que as pessoas pensem que o artigo mais recente sobre um tema traz informações melhores, ou descobertas mais robustas.
No entanto, nem tudo que é publicado trata de tema que já está bem estabelecido. Toda a reforma que ocorreu na biologia evolutiva a partir do começo do século 20 foi construída sobre uma base muito sólida: o fato da evolução. Em momento algum isso esteve em questão durante a reforma. Porém, quando a base é menos firme, ou quando a evidência é ambígua, é comum que o jogo vire de um lado para o outro com certa frequência, e que haja discordância entre grupos de pesquisa. Fulano diz A, Sicrano diz anti-A, daí vem o Beltrano e diz que, na verdade, é A mesmo. Essa é a graça da ciência quando estamos no processo de descobrir algo. Mas também pode gerar um ruído na comunicação das descobertas à população.
Outro campo da ciência que está em evidência e está repleto desse tipo de dinâmica é a astrobiologia, especialmente quando o tópico são as inferências sobre existência de vida em outros planetas. Recentemente, escrevi sobre a descoberta de uma molécula associada à presença de vida em um exoplaneta. Você pode ler sobre a descoberta aqui, mas posso dar um resumo: pesquisadores da Universidade de Cambridge, utilizando o Telescópio Espacial James Webb, detectaram sinais que podem indicar a presença das moléculas sulfeto de dimetila (DMS) e dissulfeto de dimetila (DMDS) na atmosfera do exoplaneta K2-18b, localizado a 124 anos-luz da Terra.
Essas substâncias chamam a atenção porque, na Terra, são geralmente produzidas por organismos vivos, como o fitoplâncton. A detecção foi feita por meio da análise da luz da estrela do sistema ao atravessar a atmosfera do planeta, revelando marcas espectrais características. Embora a probabilidade de o sinal ser um falso positivo tenha sido considerada baixa pelo grupo de Cambridge, a detecção ainda está no limite da capacidade do telescópio e requer confirmação mais robusta.
Apesar do entusiasmo, a presença dessas moléculas não é evidência definitiva de vida. Elas também podem ser formadas por processos abióticos, como já foi observado em cometas, e há incertezas sobre a real constituição física do planeta. A ausência de amônia, por exemplo, pode sugerir um oceano de água — essencial à vida como conhecemos —, mas também pode ser explicada por um oceano de rocha derretida, o que tornaria o ambiente inóspito. Outros pesquisadores propõem ainda que K2-18b seja um mini gigante gasoso, sem superfície sólida. Assim, embora os dados levantem hipóteses fascinantes, a conclusão mais segura, por ora, é que ainda não sabemos se há vida fora da Terra.
E isso me traz ao tópico de hoje. Agora, análises independentes chegaram a uma conclusão não tão animadora: não há sinal de vida em K2-18b.
O primeiro grupo de críticos, liderado pelo astrônomo Rafael Luque, da Universidade de Chicago (EUA), combinou dados em infravermelho próximo e médio do exoplaneta K2-18b e identificou sinais fortes de hidrogênio, dióxido de carbono e metano, mas nenhuma evidência clara de sulfeto de dimetila (DMS). Eles apontam que as novas observações em infravermelho médio são mais fracas e suscetíveis a ruídos, o que pode gerar falsos sinais - ou seja, dizer que algo foi encontrado, quando na verdade não foi.
O astrônomo Jacob Bean, também envolvido no estudo, afirmou que, com base nos dados publicados recentemente, não há sinal estatisticamente significativo de DMS. Isso contrasta com uma declaração de Madhusudhan, principal autor do estudo que sugeriu a presença de DMS no exoplaneta, que em uma coletiva de imprensa disse que havia apenas "uma chance em mil de isso ser um acaso". Ressalto que o estudo do grupo de Luque, apesar de submetido a publicação e estar em revisão por pares, ainda não foi oficialmente publicado.
Luis Welbanks (da Universidade do Estado do Arizona, EUA) e sua equipe reanalisaram os dados de K2-18b e sugeriram que o sinal de luz infravermelha, que antes era associado ao DMS, poderia ser causado por outras moléculas. Os autores consideraram 90 possíveis substâncias, incluindo algumas que poderiam se formar devido a reações químicas causadas pela luz solar (afinal, o planeta orbita uma estrela).
A equipe encontrou 59 moléculas que poderiam ser responsáveis pelo sinal, sendo a mais forte candidata o propino, um gás usado por soldadores - uma clara evidência de que o sinal é fraco ao ponto de ser ambíguo; afinal, acho que ninguém acredita na presença de soldadores em K2-18b; além disso, sabemos que propino pode ser produzido de forma abiótica que não seja por soldadores, tendo sido detectado na atmosfera de planetas ricos em hidrogênio. Assim, eles deixaram claro que os dados ainda eram fracos e não confirmavam a presença de nenhuma molécula específica (nem mesmo de propino, os autores alertam) e, por isso, não seria possível afirmar que K2-18b poderia abrigar vida. Importante: como o artigo anterior, esse já foi submetido para revisão por pares, mas ainda não foi aceito, nem publicado até o momento.
É claro que Madhusudhan e sua equipe não deixariam os críticos sem tréplica: após revisar os dados e considerar 650 moléculas possíveis, o grupo reafirma sua conclusão original; a resposta também ainda não passou pela revisão por pares. O DMS ainda apareceu como uma das opções mais prováveis. Welbanks, por outro lado, pensa que o novo estudo é uma autorrefutação. O debate continua, e já tem até uma nova iteração vindo aí. Pode ser que uma nova análise demonstre que há, sim, DMS no exoplaneta.
Percebe a dinâmica? Se a gente se pautar apenas pelo que é recente, então nos resta ficar pulando de um lado para o outro. Há DMS, não há DMS, há DMS... Qual a postura adequada? Ora, esperar a evidência acumular. Mais ainda, é preciso consolidar a evidência, esperar que ela se torne robusta. Em debates assim, é prematuro tomar um lado definitivo, ou aceitar qualquer conclusão. As conclusões são provisórias, até que não são mais tanto assim... O tempo é o senhor da razão. Será?
João Lucas da Silva é mestre em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Pampa, e atualmente Doutorando em Ciências Biológicas na mesma universidade