Que a Força esteja com você!

Questão Nerd
3 mai 2022
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STWARS

 

Quatro de maio é o Dia Internacional de Star Wars. Isso por causa da semelhança fonética entre a forma como se diz a data em inglês (“May the Fourth”, literalmente “o quarto dia de maio”) e a expressão “May the Force” (“que a Força”), formando o trocadilho “May the Fourth be with you” (ao pé da letra, “Quatro de maio esteja com você”), que soa muito parecido com May the Force be with you” (“que a Força esteja com você”).

A Força, claro, é a fonte dos misteriosos poderes que separam os cavaleiros Jedi e os lordes de Sith da população em geral, na galáxia mítica em que os filmes, seriados, animações, etc., de “Star Wars” têm lugar.

Como criação ficcional é um conceito interessante e que dá margem a boas histórias. Hoje, representa um dos elementos que fazem com que alguns puristas preferiram tratar toda a saga como “fantasia espacial” e não legítima “ficção científica”.

Na época em que o filme foi lançado, no entanto, havia quem pusesse “a Força” na mesma categoria dos voos interestelares tripulados: altamente improvável, talvez, mas não necessariamente impossível.

“Star Wars” foi lançado em 1977. Uri Geller havia atingido o auge da fama poucos anos antes, sendo tema de um artigo na revista científica Nature em 1974, e em 1979 a Universidade de St. Louis viria a estabelecer seu Laboratório McDonnell para Pesquisa Psíquica, a fim de buscar pessoas com poderes paranormais (o laboratório seria fechado em 1985, depois de ficar claro que seus pesquisadores deixavam-se enganar facilmente por charlatões).

O filme foi tão influente que alguns dos entrevistados para o livro “The Men Who Stare at Goats”, do jornalista Jon Ronson, sobre programas do governo americano para explorar o uso militar do paranormal (programas que estiveram ativos de 1978 a 1995), dizem que o objetivo era criar “guerreiros Jedi”.

 

Medicina alternativa

Mas, afinal, o que é a Força? Segundo Obi-Wan Kenobi, em uma linha de diálogo do filme de 1977, “A Força é o que dá ao Jedi seu poder. É um campo de energia criado por todas as coisas vivas. Envolve-nos e penetra-nos. Mantém a coesão da galáxia”.

Curiosamente, essa é uma definição muito próxima da de “biocampo”, apresentada em 1994 pelo Workshop de Medicina Alternativa organizado pelo governo dos Estados Unidos.

Contexto: em 1992, o Congresso americano, cedendo ao lobby dos promotores de práticas terapêuticas sem base científica, decidiu que os Institutos Nacionais de Saúde (NIH), principais financiadores de pesquisa médica do mundo, deveriam estabelecer um Departamento de Medicina Alternativa (OAM), para estender suas gordas verbas a estudiosos de acupuntura, homeopatia, etc.

Uma das áreas incluídas na bonança foi a de terapias de “biocampo”. Esse novo termo, “biocampo”, foi definido, no relatório do workshop, como “um campo desprovido de massa (não necessariamente eletromagnético) que cerca e permeia corpos vivos e afeta o corpo”.

Será que workshop plagiou George Lucas? Talvez não. Tanto a Força quanto o biocampo parecem inspirados na ideia de ki, ou chi, que aparece na medicina tradicional chinesa e no mundo das artes marciais.

Patrick Johnson, autor de “A Física de Star Wars”, define a situação toda de modo bem conciso: “Não existem exemplos cientificamente confirmados de poderes cerebrais mágicos. E não é por falta de tentar”.

 

Força como intuição

Outro uso da Força, no contexto da saga, é como uma espécie de intuição apurada, uma consciência cósmica. No clímax do filme de 1977, Luke Skywalker, que pilota um caça espacial e precisa acertar um alvo minúsculo na superfície da Estrela da Morte, ouve a voz de Obi-Wan dizendo-lhe para “usar a Força”.

Ele então respira fundo, fecha os olhos, desliga o computador de bordo – e, depois de algum suspense envolvendo Darth Vader em seu encalço, faz um disparo certeiro.

Essa ideia de que a intuição pode ser superior ao processo analítico racional é bem popular hoje, talvez mais até do que a ideia de poderes paranormais era em 1977. E isso pode até ser verdade – mas em contextos bem específicos e limitados.

Aversões intuitivas, por exemplo, podem ser causadas pela memória emocional inconsciente de situações semelhantes que levaram a desfechos ruins. Mas, como o pombo que, alimentado a intervalos aleatórios, acaba condicionado a pular numa perna só bem exemplifica, nem toda associação corresponde a uma relação real de causa e efeito. O poder da intuição não deve ser usado como desculpa para preguiça de pensar.

No caso da destruição da Estrela da Morte, Luke teve a sorte de viver numa galáxia em que a Força é um fenômeno real e empiricamente verificado, não apenas uma metáfora para um certo tipo de glorificação do irracional.

Em 2008, a revista Air & Space, do Instituto Smithsonian, trazia uma reportagem sobre desorientação espacial, ou as formas como os bizarros movimentos em 3D dos aviões militares confundem o senso de equilíbrio dos pilotos.

Basicamente, um piloto que “confie em seus instintos” sob condições de má visibilidade tende a pôr o avião numa espiral descendente — “the graveyard spiral” (“espiral do cemitério”) é o nome divertido.

Outro dado interessante da reportagem: a expectativa de vida de um piloto que entre numa nuvem, sem o treinamento necessário para voar só por instrumentos, é de 178 segundos, ou menos de três minutos. 

 

Carlos Orsi é jornalista, editor-chefe da Revista Questão de Ciência, autor de "O Livro dos Milagres" (Editora da Unesp), "O Livro da Astrologia" (KDP) e coautor de "Ciência no Cotidiano" (Editora Contexto), ganhador do Prêmio Jabuti, e "Contra a Realidade" (Papirus 7 Mares)

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