Já recebemos um sinal de outro planeta?

Questionador questionado
12 jun 2021
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Muita gente deve ter aprendido na escola que o Sol é a estrela mais próxima da Terra. A informação está correta, mas pouco se discute o significado da palavra próxima... A distância Terra-Sol é cerca de 150 milhões de quilômetros, um valor tão grande, quando comparado a distâncias cotidianas, que é bem mais simples expressá-lo em termos da velocidade da luz: 8 minutos-luz (nessa lógica, é equivalente à distância percorrida pela luz, com velocidade de 300 mil quilômetros por segundo, em 8 minutos).

A Terra é um planeta (redondo, diga-se de passagem). O Sol é uma estrela. Sabemos que existem vários outros planetas e objetos menores (asteroides, cometas e planetas-anões, por exemplo) que orbitam o Sol, da mesma forma que também existem astros e objetos orbitando os planetas, como a nossa Lua e os fragmentos de gelo, rocha e poeira que formam os anéis de Saturno. Todo esse conjunto constitui a nossa casa cósmica, o Sistema Solar.

Uma casa bem grande, por sinal: a distância média entre o planeta mais distante, Netuno (lembrando que Plutão foi reclassificado, em 2006, como planeta-anão), e o Sol é cerca de 4 horas-luz (apenas mais uma vez vou mostrar, para sua surpresa, o que isso significa em termos da unidade de distância que estamos mais familiarizados: são cerca de 4 bilhões e 500 milhões de quilômetros) e os limites exteriores do Sistema Solar ainda vão muito além disso.

Depois do Sol, a estrela mais próxima da Terra é a chamada Proxima Centauri, uma anã vermelha que faz parte de um sistema estelar triplo, chamado Alpha Centauri, a pouco mais de 4 anos-luz daqui. A olho nu, a Proxima não é visível, mas as duas restantes (Rigil Centaurus e Toliman) aparecem como uma só, brilhando perto da conhecida constelação do Cruzeiro do Sul.

Nesse breve passeio para longe da Terra, já fica claro que as escalas de tamanho tiveram que mudar drasticamente: saímos dos quilômetros cotidianos para minutos-luz, horas-luz e, agora, anos-luz. Ainda não acabou: todos os astros citados ainda estão dentro da nossa galáxia, a Via Láctea, cujo diâmetro é da ordem de 100 mil anos-luz, com o Sistema Solar localizado mais ou menos no meio do caminho entre o centro e a borda. Para completar o cenário, lembre-se que nossa galáxia, que abriga bilhões de sistemas estelares, é apenas uma dentre outras centenas de bilhões no Universo.

Essa discussão é importante para que possamos compreender tanto a estrutura geral presente no Cosmos quanto a real dimensão dos tamanhos envolvidos em sistemas astronômicos. Porém, esse conhecimento cobra um preço de quem o adquire, fazendo com que a pessoa possa sofrer dois efeitos colaterais bastante comuns: o primeiro é o choque de insignificância cósmica; o segundo é a ativação da curiosidade, tornando-se quase inevitável a pergunta: estamos sozinhos no Universo? E mais: da mesma forma que apontamos nossos telescópios às estrelas, outras civilizações inteligentes estariam de olho no Sol, questionando-se sobre a possibilidade de haver vida por aqui?

 

Rádio e vida

Você não é o único curioso sobre a existência de vida inteligente, além da nossa, no Universo. Cientistas movidos pela mesma curiosidade desenvolveram maneiras de investigar essa possibilidade, como a busca de exoplanetas (planetas que orbitam estrelas além do Sol) e análises de suas características atmosféricas e astronômicas; o estudo de micro-organismos terrestres com capacidade de sobrevivência em ambientes sujeitos a condições extremas de temperatura ou acidez, por exemplo (mostrando que a vida poderia também se desenvolver ou permanecer sob condições encontradas em astros com características bem distintas das “normais” encontradas na Terra); e uma “escuta” constante por sinais de rádio vindos do espaço, uma das tarefas do que se chama radioastronomia.

(Pausa importante: quando falamos em “escutar o céu”, não estamos nos referindo a receber ondas sonoras, até porque o som não se propaga no vácuo... Esse é um jargão que indica que manteremos nossos radiotelescópios captando ondas eletromagnéticas da faixa de rádio, vindas do espaço, para depois analisar o que foi recebido e tentar identificar as origens desses sinais. Caso queira saber mais, já falamos sobre essas ondas e possíveis fontes emissoras de rádio no Universo).

Essa abordagem que investiga as ondas de rádio em busca de pistas da existência de vida inteligente extraterrestre baseia-se em um conceito fundamental: as leis da física, e da natureza em geral, são as mesmas em qualquer lugar do Cosmos. E sabemos disso porque, até onde fomos capazes de investigar, átomos e ondas eletromagnéticas estão presentes não só na Terra, mas em todo lugar. Não há razões convincentes para supor, por exemplo, que o hidrogênio presente na galáxia vizinha comporte-se de modo distinto ao que observamos por aqui.

Portanto, se ondas eletromagnéticas estão disponíveis por toda parte, é possível que outras civilizações inteligentes também as tenham estudado e criado métodos de comunicação por rádio, de modo semelhante ao que nós fizemos com o desenvolvimento das telecomunicações. Parte dos sinais de rádio que produzimos na Terra acaba escapando para o espaço, viajando à velocidade da luz e podendo atingir, futuramente, civilizações inteligentes (embora sua intensidade, que de início já é baixa, vá diminuindo ainda mais enquanto se afastam do ponto de origem, o que certamente dificultará o processo de detecção pelos eventuais extraterrestres).

Por outro lado, podemos fazer transmissões propositais de rádio, controlando cuidadosamente a direção e a intensidade de modo a gerar as melhores chances de serem captadas por qualquer civilização com antenas à espreita, localizadas nas cercanias de estrelas escolhidas como alvo. Já fizemos isso mais de uma vez (veja aqui e aqui), mas como os destinos estão a centenas ou milhares de anos-luz da Terra, uma possível resposta poderá demorar séculos ou milênios. Então, o que fazer? Além de esperar sentado por alguma resposta, podemos também “escutar” o céu em busca de mensagens similares que já tenham sido enviadas por outras civilizações que dominaram a tecnologia das emissões de rádio.

 

 

Sinais esquisitos

No cotidiano da prática científica, vez ou outra nos deparamos com ocorrências “esquisitas”: algo curioso ou surpreendente que foge do comportamento esperado para o sistema sob análise. Das duas, uma: ou esses eventos são frutos de inconsistências ou erros experimentais, ou, quando confirmados nas tentativas de reprodução dos resultados, podem dar origem a novas áreas da ciência e/ou fazer com que teorias vigentes tenham que ser reavaliadas. Vejamos dois exemplos:

Em 2011, foi anunciado que, em determinado experimento, partículas subatômicas conhecidas como neutrinos haviam se movido com uma velocidade ligeiramente maior que a da luz, o que sabemos não ser possível, de acordo com a Teoria da Relatividade Especial. Após tentativas de reprodução do resultado, verificou-se tratar-se de um alarme falso. Por outro lado, por volta de 1900, as medidas que caracterizavam a radiação emitida por corpos aquecidos não eram bem explicadas pelas teorias vigentes. Mas como os resultados experimentais estavam mesmo corretos, tivemos que lidar com isso e, assim, essa curiosa esquisitice deu origem ao desenvolvimento de algo novo: a Física Quântica.

De volta à radioastronomia, vamos revisitar um evento que aconteceu em uma segunda-feira, dia 15 de agosto de 1977, durante a operação do radiotelescópio Big Ear (“Grande Orelha”, em tradução livre), nos Estados Unidos. Enquanto ele estava captando ondas de rádio de regiões da constelação de Sagitário, algo surpreendente foi detectado: um sinal com características tais que não era possível explicar sua origem através de qualquer processo natural conhecido. O que havia de tão especial?

O primeiro fator foi a intensidade dele: dezenas de vezes maior que o “ruído” de fundo (para os não familiarizados, imagine alguém dentro de um apartamento fechado e próximo a uma rua movimentada: o que a pessoa ouvirá é uma mistura de sons onde nada se destaca, um ruído, até que ela ligue a televisão, por exemplo, cujas emissões sonoras se sobressaem em intensidade, predominando em relação ao ruído); o segundo foi a duração: longos 72 segundos, que era o tempo máximo da captação envolvida no sistema de medida (ou seja, pode até ser que o sinal teve uma duração ainda maior).

É um achado tão curioso que o astrônomo Jerry Ehman, horas depois, ao analisar o relatório gerado pelo computador com os dados captados, chegou a anotar, como se vê na imagem abaixo, a expressão “Wow!” (“Uau!”) logo ao lado do código alfanumérico que representa as características do sinal – que ficou conhecido como “sinal Uau!” (não, as letras e números na imagem não formam uma mensagem enigmática que os alienígenas sagitarianos enviaram para a Humanidade desvendar). Portanto, será que esse sinal intenso e persistente fora emitido, propositalmente, por uma civilização extraterrestre inteligente?

Já aprendemos que uma esquisitice precisa ser analisada com cuidado. Uma das etapas importantes é tentar repetir o que foi encontrado para saber se é um processo realmente consistente. Assim, diferentes equipes, operando radiotelescópios distintos, se puseram a observar o mesmo local do céu de onde veio o sinal Uau!. Porém, até hoje, não foi detectado nada parecido, nem vindo da mesma região, nem de qualquer outra. Ou seja, embora algumas explicações não inteligentes tenham sido levantadas, como emissões de cometas, resquícios de pulsos intensos de rádio que poderiam ter sido gerados distantes da Terra e até algum mau funcionamento do detector do Big Ear, o fato é que não há evidências suficientes para decidir em favor de qualquer uma delas. Ponto para os alienígenas?

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Esperanças limitadas

 

Bom, seguremos a emoção por um instante. No início dos anos 1960, medidas e discussões sobre sinais astronômicos na faixa de rádio levaram à descoberta dos quasares. Depois, em 1967, foram detectados sinais esquisitos, também de rádio, que “piscavam” de maneira bem regular. Seriam produzidos por equipamentos de navegação e orientação para naves alienígenas? Não. Eram objetos astronômicos não inteligentes, os pulsares.

Ou seja, já atravessamos momentos em que sinais intrigantes de rádio, também com capacidade de fazer nossa imaginação trabalhar, acabaram se mostrando resultantes de objetos e processos astronômicos desconhecidos à época. Portanto, cautela é a palavra de ordem. É claro que isso não significa que o sinal Uau! também terá uma origem não inteligente a ser descoberta no futuro, mas devemos reconhecer que, com o que sabemos sobre o assunto, não é possível concluir, a partir de evidências confiáveis, que o sinal é mesmo de uma civilização extraterrestre.

Mas vimos que o Cosmos é vasto, com bilhões de galáxias, formando um número total de estrelas e planetas que desafia nossa imaginação. É, portanto, razoável supor que podem existir outras condições ambientais, fora da Terra, que também consigam suportar alguma forma de vida. Nesse sentido, o astrônomo Frank Drake chegou a propor uma equação capaz de estimar o número de civilizações inteligentes e comunicáveis que poderiam residir em uma galáxia, ou em um conjunto delas. Mas muitos desses exercícios estatísticos curiosos esbarram em ignorância, pois ainda não temos conhecimento suficiente para inserir corretamente o valor de vários parâmetros. Assim, os resultados obtidos acabam por variar conforme o gosto do freguês, podendo ser profundamente pessimistas, ou otimistas demais. Há esperanças, embora limitadas.

Há ainda quem esteja de olho na região de onde veio o sinal Uau!, buscando catálogos com informações das estrelas conhecidas por lá para encontrar candidatas com características similares ao nosso Sol. Tudo na esperança (altamente otimista, que o próprio autor reconhece) de que essas nossas “vizinhas” tipo-Sol poderiam também abrigar um planeta semelhante ao nosso e, ainda, vida inteligente que tenha desenvolvido comunicação por rádio. Embora o exercício possa até motivar a busca por exoplanetas por ali, é necessário salientar que estamos mesmo é carentes de informação, mas ricos em especulação.

Ora, então não devemos buscar vida fora da Terra? Sim, devemos. Pessoalmente, sou fascinado por essa aventura. Mas os cientistas sérios, embora entusiasmados com o tema, conseguem concordar que o que mais temos, no momento, se resume a empolgação e curiosidade, com prognóstico de muito trabalho duro pela frente, através das diferentes vertentes de estudo que antes discutimos. É apenas necessário que isso também fique transparente à população, deixando claro que homenzinhos verdes à espreita no Universo ainda é algo que reside significativamente no mundo da imaginação, não na vida real.

Marcelo Girardi Schappo é físico, com doutorado na área pela Universidade Federal de Santa Catarina. Atualmente, é professor do Instituto Federal de Santa Catarina, participa de projeto de pesquisa envolvendo interação da radiação com a matéria e coordena projeto de extensão voltado à divulgação científica de temas de física moderna e astronomia

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