Não é comum iniciar um artigo com uma tabela. Ainda mais com uma tabulação de óbitos. Mas, devido à velocidade do crescimento da mortalidade por Covid-19 no Brasil, talvez seja uma forma de sensibilizar aqueles que ainda duvidam da gravidade do problema. Ocupávamos, quando este artigo foi escrito, a 8ª posição no ranking mundial de óbitos. Mas o que são 6.434 mortes para uma população de mais de 200 milhões? O mais adequado seria analisar a taxa de mortalidade, e não o número absoluto de óbitos. A Tabela 2 sumariza essas informações.
Quando olhamos apenas para a taxa, o Brasil está na 9ª posição, o que pode ser equivocadamente interpretado como um indicador positivo. Afinal, nossa mortalidade é menos da metade da observada no Irã, por exemplo. E a chave para entender esse erro está justamente em um tweet de 15 de abril do presidente Bolsonaro[i]. Vejamos o que ele compartilhou:
Então, veja que interessante. Em 15 de abril de 2020, a taxa de óbitos no Brasil era 7 para cada 1 milhão de habitantes, muito menor do que a mortalidade relativa dos demais países. Itália e Espanha, que amargavam diariamente centenas de óbitos, exibiam taxa superior a 300 mortes para um grupo de 1 milhão de habitantes. E a Bélgica, que até agora perdeu quase 8 mil vidas, liderava. Passados cerca de 15 dias, o que dizem os dados sobre a variação da taxa de mortalidade? A Tabela 3 apresenta essas informações.
Na Espanha, o aumento da taxa foi de 38,4%, passando de 388, em 15 de abril, para 537, em 2 de maio. Na França, a taxa de mortalidade passou de 241 para 377 no mesmo período, o que significa um incremento de 56,43%. Na Inglaterra, a taxa cresceu 126,26% e na Alemanha o incremento foi de 95,12%. No Brasil, a variação foi de 328,57%. É isso mesmo. Repita conosco: 328,57% em pouco mais de 15 dias. Isso significa que o ritmo de crescimento de mortes é muito mais rápido aqui. Assim, não precisa ser engenheiro de foguetes para entender que a situação brasileira está se agravando.
Outro indicador que deveria sensibilizar a população em geral – e os gestores governamentais, em particular – é a relação entre novos casos e total de óbitos. Isso porque a mortalidade continua subindo, mesmo depois de controlado o contágio. Veja o caso dos Estados Unidos e da Itália, por exemplo (ver Gráfico 1).
A curva azul ilustra a quantidade diária de novos casos, que deve ser interpretada como o ritmo de propagação da doença na população. Por sua vez, a linha vermelha ilustra o número acumulado de óbitos ao longo do tempo. Mesmo depois que a curva azul se estabiliza, formando um platô, as vidas continuam sendo consumidas pela COVID-19. Na Itália, em que a curva azul já exibe tendência de queda, a mortalidade ainda é estável. Em particular, a média de óbitos dos últimos quatro dias é de 330. Nos Estados Unidos, a média de mortes dos últimos quatro dias é de 2.032. Vejamos a situação da Bélgica, atual líder do ranking, e do Reino Unido, que exibiu crescimento acima de 100% na taxa de mortalidade.
Ambos os países exibem curvas bastante parecidas. O contágio parece estabilizado, já que a curva azul fica balançando em torno de uma reta imaginária, o que os estatísticos chamam de comportamento estacionário. No entanto, a curva vermelha continua firme e forte em sentido ascendente, o que significa que várias famílias estão perdendo seus entes queridos. Vejamos agora a situação do Brasil (ver Gráfico 3).
Observe que mesmo depois de estabilizar o contágio e até mesmo reduzir a quantidade de novos casos, a Alemanha continuou perdendo vidas para a Covid-19. O Brasil, meu Deus, é o único país de nossa análise que exibe tendência positiva em ambas as curvas. Ou seja, o momento não é de afrouxamento das medidas de distanciamento social.
Pelo contrário, a única forma de derrubar a curva azul é minimizar a interação entre pessoas. A justiça do Maranhão já entendeu isso e decretou lockdown em quatro municípios. A prefeitura de São Paulo também já se sensibilizou de que aumentar a restrição é sinônimo de salvar vidas no futuro. Com este artigo, esperamos facilitar a compreensão do problema e fornecer evidências para que outros entes federativos adotem medidas mais severas de distanciamento social. Caso contrário, é questão de tempo até o Brasil brigar pelas primeiras posições do ranking da morte.
Dalson Britto Figueiredo Filho é professor-assistente de Ciência Política na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
Antônio Fernandes é mestrando em Ciência Política na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
Lucas Silva é cientista político e estudante de Medicina na Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas
Enivaldo Rocha tem graduação em Estatística (UFPE), mestrado em Estatística (USP) e doutorado em Engenharia de Produção (UFRJ). É professor titular aposentado da Universidade Federal de Pernambuco e membro do Grupo de Métodos em Pesquisa em Ciência Política (MPCP)
NOTAS
[i] Ver: <https://twitter.com/jairbolsonaro?ref_src=twsrc%5Egoogle%7Ctwcamp%5Eserp%7Ctwgr%5Eauthor>. Não encontramos dados exclusivos para a Inglaterra. Acreditamos que o presidente confundiu Inglaterra com Reino Unido. Todos os dados reportados neste artigo dizem respeito ao Reino Unido, que é formado pela Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte.