Por mais ciência nos relatórios de sustentabilidade

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7 set 2023
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pássaro dodô

Meio ambiente, sociedade, governança. Reunidos sob a sigla em inglês ESG, estes conceitos tomaram de assalto o mundo corporativo nos últimos anos. Hoje, praticamente nenhuma grande empresa do planeta não se preocupa - ou deixa de fingir se preocupar - com eles. Mas, para além do problema do chamado greenwashing (exagerar ou mentir na comunicação de seus esforços ambientais para melhorar sua imagem ou reputação perante o público), até as corporações verdadeiramente engajadas em projetos para tornar suas operações mais sustentáveis, ou compensar impactos, enfrentam o desafio de monitorar, medir e reportar os reais benefícios ambientais e socioeconômicos obtidos.

Diante disso, um grupo internacional de pesquisadores publicou nesta quinta-feira, 7 de setembro, na prestigiada revista Science, um texto para discussão em que propõe parâmetros mais abrangentes e científicos no acompanhamento e elaboração de relatórios sobre iniciativas de restauração de ecossistemas - como promessas de plantio de milhões de árvores, ou recuperação de mangues, recifes de corais etc - patrocinados por empresas dentro de suas políticas de ESG.

Para tanto, os cientistas liderados por Timothy Lamont, da Universidade de Lancaster, Reino Unido, primeiro analisaram relatórios de sustentabilidade publicados por cem das maiores multinacionais do mundo distribuídas em grupos de dez, dentro de também dez setores: consumo básico; consumo discricionário; energia; financeiro; saúde; bens industriais; matérias-primas; tecnologia; telecomunicações; e serviços públicos. Destas, 66 tinham projetos de restauração de ecossistemas, com proporção maior nos setores de energia e matérias-primas, com nove empresas cada. Entre as sessenta e seis, 44 relatavam o número de árvores plantadas ou a área coberta pelos projetos de restauração, 12 o orçamento investido ou o custo dos projetos e 34 mencionavam atividades de monitoramento ecológico, mas apenas quatro os resultados deste acompanhamento. Além disso, nenhum dos cem relatórios trazia qualquer mensuração dos impactos sociais ou econômicos dos projetos nas populações locais.

"Esta quase total falta de transparência dos relatórios tanto do ponto de vista ecológico quanto socioeconômico significa que não há meios para quantificar a restauração sendo realizada, ou confirmar que seus resultados são de fato benéficos", criticam os autores no texto. "Em suma, a base de evidências apoiando as alegações das grandes corporações sobre a restauração de ecossistemas é completamente insuficiente".

Assim, os pesquisadores argumentam que o monitoramento e avaliação dos projetos podem ser aprimorados se as grandes corporações adotarem princípios básicos da ciência da restauração de ecossistemas ao prepararem seus relatórios. Eles citam como exemplo padrão da Global Reporting Initiative (GRI) - organização dedicada a ajudar empresas a reconhecer seus impactos ambientais e comunicar suas ações na área para o público - sobre o tema, adotado por mais de dois terços das multinacionais analisadas. Segundo eles, pelos parâmetros atuais, os relatos focam na mitigação dos impactos operacionais e se limitam a documentar a área espacial dos projetos, sem o detalhamento necessário para avaliação de seus efeitos nos ecossistemas e socioeconômicos.

 

Sete princípios científicos

Desta forma, os cientistas defendem a adoção de sete princípios para monitorar e reportar diferentes etapas dos projetos de restauração que permitiriam uma visão mais realista de escala e impactos, além de estimular melhorias em sua estruturação, implementação e mensuração. No caso da estruturação, ou desenho, dos projetos, o primeiro princípio é uma "hierarquia da mitigação". Segundo eles, dado que restaurar ambientes degradados é menos efetivo do que conservar os ecossistemas intactos, as empresas devem priorizar seus esforços, e focar seus relatórios, na preservação dos habitats existentes, como precursores dos projetos de restauração. Ainda no planejamento dos projetos, outro princípio diz respeito a uma "governança inclusiva", sob a qual as empresas devem trabalhar em conjunto com atores e tomadores de decisão locais na sua estruturação, com os relatórios destacando estas parcerias com foco no empoderamento das comunidades e populações tradicionais.

Já na etapa de implementação dos projetos, o primeiro princípio envolve o conceito de "permanência", segundo o qual eles devem ter como perspectiva impactos de longo prazo. Assim, os relatórios devem informar por quantos anos a empresa está comprometida em manter e monitorar as iniciativas citadas, bem como as taxas de sobrevivência e duração de projetos anteriores. Já o segundo princípio nesta fase é o da "proporcionalidade", em que os projetos de restauração devem ser proporcionais aos danos ambientais das operações da empresa, com os relatórios informando a área e/ou o orçamento investido e mostrando a extensão do trabalho feito.

Por fim, três princípios são relacionados à mensuração e avaliação dos resultados. O primeiro é relativo ao monitoramento e transparência, segundo o qual as empresas que informam patrocinar restauração de ecossistemas devem provar que suas iniciativas estão apresentando os impactos ecológicos desejados. Além disso, os projetos devem ter metas específicas de restauração e acompanhamentos regulares de progresso, tendo como parâmetros dados ecológicos quantitativos que devem ser publicados em relatórios de livre acesso.

Já o segundo princípio nesta etapa tem como objeto os "benefícios externos" dos projetos, que vão além da restauração dos ecossistemas alvo. Exemplos destas externalidades são melhorias na qualidade de vida das populações locais, engajamento das comunidades nos projetos, educação, pesquisas, treinamento e capacitação de pessoas. Encerrando as recomendações, os pesquisadores destacam a importância de os projetos adotarem um "ecossistema de referência". Segundo eles, diante do fato de que em muitos casos as áreas alvo dos projetos já sofreram muitas alterações ambientais ou estão tão degradadas que não é possível saber como elas eram antes dos impactos da ação humana, estes "ecossistemas de referência" podem ajudar a guiar os esforços em repovoar estes locais com as espécies adequadas e que sejam resilientes às ameaças atuais e futuras.

 

O desafio da transparência

Cada vez mais empresas, em especial as grandes multinacionais, veem que a preservação do meio ambiente e a sustentabilidade não só são boas para os negócios como podem ser um grande negócio. Afinal, além de garantir os recursos naturais e serviços ambientais essenciais para a manutenção de suas operações, elas podem trazer ganhos financeiros, como a redução de custos e aumento da eficiência, e de imagem. Para isso, porém, é fundamental que estruturem, implementem e comuniquem seus projetos de restauração com transparência e credibilidade, destacam os pesquisadores.

"As empresas já têm fortes incentivos para mostrar o valor de suas iniciativas de restauração, e o reforço e melhoria nos padrões dos relatórios podem ajudar a entregar esta prestação de contas de maneira mais eficiente", concluem. "Se gerida criteriosamente com relatos transparentes, as maiores corporações do mundo podem elevar consideravelmente a restauração de ecossistemas, fornecer uma base de evidências sobre a qual outros podem aprender e construir, e angariar reconhecimento público para seus esforços. Por outro lado, relatórios inadequados destas organizações prejudicam sua responsabilização de formas que ameaçam a credibilidade do movimento global pela restauração de ecossistemas, exacerbam os danos ambientais e geram injustiça social".

 

Cesar Baima é jornalista e editor-assistente da Revista Questão de Ciência

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