Em 1900, um brasileiro nascido naquele ano viveria, em média, apenas até os 29 anos. Altas taxas de mortalidade materna e infantil ceifavam a vida de milhares de jovens mulheres e crianças, simples cortes poderiam evoluir para infecções letais, vacinas eram poucas e raras e bactérias e vírus eram praticamente desconhecidos. Um século depois, a expectativa de vida do brasileiro médio nascido em 2000 era de 69,7 anos, mais que o dobro. E por trás deste salto está a ciência, que neste meio tempo deu origem à medicina moderna, com seus antibióticos, medicamentos e toda uma gama de avanços no conhecimento sobre as mais variadas doenças e males, suas causas e prevenção.
Apesar disso, ainda hoje há pessoas que negam estes desenvolvimentos, defendendo formas ditas “alternativas” de tratar da saúde, escoradas em argumentos frágeis como “tradição”, “sabedoria ancestral” ou numa “diversidade” de epistemes e paradigmas, quando não em fantasias envolvendo “energias”, “vibrações” e outros delírios “quânticos”. Seus supostos benefícios, no entanto, não passam do conhecido efeito placebo e outros fenômenos comuns associados a ele, como a regressão à média - a oscilação natural dos sintomas de uma doença que faz com que qualquer tratamento usado em seu pico pareça tê-los atenuado - e o caráter autolimitante de muitos males, isto é, a tendência de se resolverem sozinhos, traduzida no velho ditado "resfriado com remédio dura sete dias, sem remédio, uma semana".
Uma das razões para isso é que a mesma medicina moderna está abrindo mão destes também chamados benefícios inespecíficos da atenção à saúde, seja no sistema público ou no privado dos planos e seguros. Consultas-relâmpago, dependência excessiva de exames laboratoriais e de imagem no lugar do contato da prática clínica e a impessoalidade e burocratização das relações médico-paciente, em que a pessoa raramente tem um profissional que a acompanhe para além da resolução em curto prazo de um problema imediato ou emergencial, praticamente fecham a porta para que estes efeitos se manifestem.
Enquanto isso, práticas pseudocientíficas, como a homeopatia, antroposofia, Reiki e outras, vão se apropriando destes benefícios. Sob a bandeira de abordagens "integrativas" ou "holísticas", suas consultas extensas, com muita conversa, toque e envolvimento promovem alterações emocionais, psicológicas e fisiológicas nos pacientes. É a "medicina do tapinha nas costas", do "tudo vai ficar bem", cujos efeitos são logo confundidos como sinais de eficácia das intervenções. Mas, por mais melhorias que o efeito placebo pareça proporcionar, ele está longe de ser capaz de curar, principalmente condições mais sérias e graves, como o câncer.
Isso não impede, porém, que defensores destas práticas pseudocientíficas aleguem que elas funcionam para além de seu caráter "complementar", superestimando o poder do efeito placebo. A começar que o conceito de "cura" é suficientemente vago para incluir medidas subjetivas de "melhora" para além de parâmetros objetivos, como o tamanho do tumor. Uma revisão sistemática de ensaios clínicos randomizados de tratamentos para diversos tipos de câncer que envolveram braços com placebo observou que, embora algumas vezes os placebos fossem associados com o controle de sintomas como dor e falta de apetite, raramente foram acompanhados por respostas positivas nos tumores em si.
Diante disso, a medicina moderna enfrenta o desafio de retomar o protagonismo no cuidado com os pacientes. Não basta ser baseada em evidências. Também é preciso evitar que o ritmo industrial de consultas de 10, 15 minutos deixe espaço para que práticas pseudocientíficas tentem tomar seu lugar nos corações e mentes da população e nas políticas públicas. Atenção e acolhimento não são úteis só pelo potencial do efeito placebo. Eles estimulam a adesão e aderência às recomendações e tratamentos, num ciclo virtuoso de reconstrução de uma confiança que também ajuda no combate à desinformação dos movimentos antivacina ou dos mercadores de falsas curas pela internet, por exemplo.
Cesar Baima é jornalista e editor-assistente da Revista Questão de Ciência