Medidas de contenção da COVID-19, da lógica à confirmação

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11 nov 2021
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Quase dois anos depois do início da pandemia de COVID-19, mais e mais estudos mostram que os especialistas estavam certos em seus alertas de que distanciamento social, interrupção de atividades não essenciais, higiene respiratória e uso de máscaras eram – ainda são – as melhores estratégias não farmacológicas (NPIs, na sigla em inglês) para conter a disseminação do SARS-CoV-2, o coronavírus causador da doença. Só nas últimas semanas, três pesquisas vieram reforçar a base de evidências que aponta a eficácia destas medidas, confirmando a lógica da sua implantação e o alto custo de sua negação e desrespeito, como podem testemunhar os parentes e amigos dos mais de 600 mil brasileiros mortos pela COVID-19.

No primeiro destes estudos, publicado no início de outubro na revista “Nature Communications”, pesquisadores da Universidade de Oxford, no Reino Unido, avaliaram o impacto de diversas destas intervenções na taxa efetiva de transmissão do vírus (Rt) ao longo da segunda onda da pandemia na Europa, que varreu o continente entre agosto de 2020 e janeiro de 2021, após um original – e precipitado – relaxamento das medidas de contenção, no verão setentrional do ano passado. Com o número de casos e mortes voltando a subir, governos da região reinstituíram restrições, como fechamento de clubes noturnos, bares e restaurantes, de serviços com contato próximo, como salões de beleza, e de atividades de lazer como cinemas, museus e teatros, além da proibição de aglomerações, interrupção do funcionamento de escolas, uso obrigatório de máscaras e até toques de recolher durante a noite.

Segundo os pesquisadores, de modo geral o impacto destas medidas foi menor na segunda onda do que na primeira, com uma redução de 66% na taxa de transmissão do vírus contra estimados 82% na fase inicial da pandemia na Europa. Entre os fatores que podem explicar esta diferença, eles apontam o fato de que na primeira onda as medidas de contenção foram impostas praticamente todas de uma vez, enquanto na segunda, elas muitas vezes foram adotadas de maneira escalonada. Além disso, o impacto das restrições da primeira onda se deu sobre um pano de fundo de padrões de contato e comportamento pré-pandêmicos, enquanto na segunda, as intervenções encontraram uma população ainda hesitante na retomada dos contatos sociais e aderente aos novos hábitos de higiene e proteção pessoal adquiridos com a pandemia.

Assim, embora o impacto mais alto das medidas de contenção nas taxas de transmissão do vírus durante o início da pandemia de COVID-19 deixe clara a importância de sua rápida adoção e adesão em outras futuras – e muito prováveis – pandemias, os efeitos das intervenções observados na segunda onda talvez sejam um melhor guia para gerir o enfrentamento de uma crise sanitária em curso, como a atual, e das próximas, consideram os pesquisadores da Universidade de Oxford.

 

Eficácia em números

Neste sentido, indicam os cientistas, a interrupção de atividades não essenciais mostrou-se particularmente eficaz, com um impacto combinado de 35% na redução da taxa de transmissão do vírus durante a segunda onda na Europa. O fechamento de negócios no setor de gastronomia – restaurantes, bares e cafés – produziu estimados 12% de redução, número que, os pesquisadores destacam, estão em linha com o aumento da transmissão verificado no Reino Unido quando de sua reabertura dentro da campanha “eat out to help out” (coma fora para ajudar, em tradução livre) do governo do país, em agosto do ano passado. O mesmo impacto de 12% foi estimado para o fechamento de clubes noturnos e boates, mas neste caso os cientistas ressaltam que a maior parte do efeito pode ter resultado de dois fatores: esse tipo de negócio em geral foi o primeiro a ter suas atividades interrompidas na segunda onda europeia da pandemia, e teve como parâmetro de comparação, ou linha de base, os eventos de superdisseminação do vírus ainda no início da segunda onda.

O efeito combinado do fechamento de atividades de varejo não essenciais e serviços de contato próximo, como barbearias e salões de beleza, também foi significativo, com uma redução estimada de 12% na taxa de transmissão do vírus. Neste caso, os cientistas lembram que o comércio é o tipo de negócio mais comum, no que avaliam ser uma demonstração do risco de contágio representado por numerosos contatos em ambientes fechados, ainda que de curta duração. Por conta destes números, os pesquisadores argumentam que cuidados extras, e mais atenção a medidas de precaução, podem ajudar a reduzir significativamente as taxas de transmissão quando se decidir pela reabertura destes negócios, em especial os dos setores de gastronomia e serviços de contato próximo.

A proibição geral de aglomerações e encontros sociais entre pessoas que moram em casas diferentes, mesmo de apenas dois indivíduos, foi outra medida de grande impacto na segunda onda da COVID-19 na Europa, com uma redução estimada de 26% na taxa de transmissão do vírus. Esta redução, no entanto, perdeu força à medida que aumentou o número de pessoas permitidas nestes encontros, comportamento que foi na contramão do observado na primeira onda, em que a proibição de aglomerações maiores se mostrou mais eficaz.

Segundo os pesquisadores, a diferença talvez se deva, novamente, à adesão voluntária e mesmo inconsciente a comportamentos preventivos, como manter distância das outras pessoas não presentes no período pré-pandemia. Também diante disso, os cientistas consideram que a proibição apenas de aglomerações maiores não é suficiente para controlar a transmissão do vírus em uma epidemia já em curso. A saída então seria um chamado “lockdown”, definido como uma proibição de todos encontros sociais e fechamento de todas as atividades não essenciais, que calculam ter reduzido em 52% as taxas de transmissão na segunda onda europeia.

Outra diferença importante de impacto das medidas de contenção entre a primeira e a segunda onda da COVID-19 na Europa observada pelos pesquisadores da Universidade de Oxford foi na decisão pelo fechamento de escolas e outras instituições de ensino. Enquanto na primeira onda estudos observacionais indicaram que esta foi uma das intervenções de maior eficácia para frear a disseminação do vírus, na segunda onda seu impacto foi relativamente pequeno, estimado em uma redução de apenas 7% na taxa de transmissão.

De acordo com os pesquisadores, isso pode ser explicado por uma combinação de elementos, que vão desde a adoção de medidas de prevenção ausentes no período pré-pandemia, como monitoramento de sintomas, programas de testagem em busca de indivíduos assintomáticos, rastreamento de contatos, limpeza, ventilação, distanciamento e redução e isolamento dos grupos de estudantes, a mudanças de comportamento e fatores epidemiológicos.

“Nossos achados reforçam o impacto das medidas de prevenção nas instituições educacionais e apoiam a visão de que o fechamento de escolas pode ser evitado se protocolos de segurança eficazes forem adotados”, ponderam os cientistas no estudo. “(Mas) sem medidas de prevenção suficientes, abrir escolas pode levar a uma ressurgência (do vírus). Em pandemias futuras, uma estratégia promissora seria fechar as instituições educacionais logo para ganhar tempo na implementação de medidas de segurança, e então retomar suas operações ao longo da pandemia, sempre que possível”.

Já o uso obrigatório de máscaras na maior parte ou todos espaços públicos ou de uso coletivo levou a uma redução de 12% na taxa de transmissão do vírus, calculam os cientistas, que ressaltam que antes da segunda onda alguns países europeus afrouxaram suas políticas, determinando o uso de máscaras em apenas algumas situações, como nos transportes públicos. Desta forma, a redução estimada por eles diz respeito apenas ao benefício adicional de adotar uma política mais rigorosa com relação ao uso de máscaras, e não da intervenção em si.

“Em epidemias futuras com patógenos de transmissão aérea, a obrigatoriedade do uso de máscaras em quase todos, e não apenas alguns, espaços públicos logo cedo é uma estratégia atraente, dados os custos sociais e fardo econômico comparativamente baixos desta intervenção”, destacam.

Por fim, a instituição de toques de recolher, apesar de amplamente adotada na Europa durante a segunda onda da COVID-19, ainda foi pouco estudada. Nos países avaliados pelos pesquisadores, esta medida reduziu a transmissão do vírus em 13%, indicando sua eficácia no controle na disseminação da doença. Seu caráter amplo, no entanto, faz com que tenha forte interação com outras intervenções, como também acontece com as máscaras, o que pode reforçar ou comprometer sua eficácia. Um exemplo é o caso de já haver lockdowns ou proibições de encontros sociais em vigor, cenário que poderia tornar um toque de recolher adicional menos útil ou eficaz.

 

Máscaras em foco

Já o segundo estudo recente demonstrou o “superpoder” das máscaras em evitar a disseminação do coronavírus. Publicado em 22 de outubro na revista “Science Advances”, cruzou dados epidemiológicos e de utilização de transportes públicos em Seul, capital da Coreia do Sul, além de simulações do bloqueio de aerossóis por modelos de máscaras tipo N95 disponíveis no país, para avaliar os impactos de políticas de distanciamento social e uso da proteção facial na transmissão do SARS-CoV-2.

Segundo os pesquisadores, apenas o distanciamento possibilitado pela redução na lotação em trens e ônibus – que transportam diariamente 65% dos passageiros em Seul, uma das maiores proporções de utilização de transportes públicos no planeta – com estratégias como o escalonamento na entrada e saída das pessoas em seus trabalhos pode cortar em 39,8% o risco de transmissão. Impacto bem inferior ao uso adequado (bem ajustadas e sem vazamentos) das máscaras equivalentes às PFF2 no Brasil, que seria capaz de reduzir em 95,8% este risco. Já as duas estratégias – distanciamento e máscaras – levariam em conjunto a uma redução de 96,6% na transmissão do vírus.

Ainda nesta seara, um terceiro estudo, não revisado por pares e publicado no repositório de artigos científicos MedRxiv, também no fim de outubro, reforçou a importância das máscaras na proteção individual e coletiva contra a disseminação do coronavírus mesmo com o avanço da vacinação contra a COVID-19, em especial em ambientes fechados com longos períodos de contato.

Conduzido por pesquisadores da Universidade de Berkeley, Califórnia, o estudo analisou centenas de casos da doença em pessoas expostas ao vírus em cenários de alto risco de contágio entre fevereiro e setembro deste ano, comparando a indivíduos de idade e sexo similares que sofreram semelhante exposição mas acabaram testando negativo para o SARS-CoV-2, que serviram então de grupo de controle. De acordo com os cálculos dos cientistas, o uso de máscara reduziu o risco de contágio em 48% quando os participantes foram expostos a um caso confirmado ou suspeito de COVID-19, com as evidências de proteção mais robustas se esta exposição se deu em interiores e por mais de 3 horas, como em casa ou no trabalho.

Redução de risco que se mostrou maior (56%) caso o usuário da máscara não estivesse ainda vacinado, mas também significativa (22%) para os vacinados, queda menor que se explica pelo fato de os vacinados já terem um risco-base reduzido, graças, exatamente, à vacina.

 

Cesar Baima é jornalista e editor assistente da Revista Questão de Ciência

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