Vacina: São Paulo, até quando?

Editorial
23 dez 2020
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bandeira paulista

 

Não há razão para esperar que a vacina contra o vírus SARS-CoV-2 elaborada pela empresa chinesa Sinovac e testada e produzida no Brasil pelo Instituto Butantan seja ineficaz: a tecnologia, de vírus inativado, é antiga, bem testada e tem uma história de ótimos serviços prestados à saúde pública em todo o globo. Já sabemos, também, que a vacina é segura: os resultados dos testes de Fase 1 e 2, onde foram avaliados efeitos adversos, são robustos e positivos.

Infelizmente, no entanto, o governo do estado de São Paulo, embora já tenha fixado uma data para o início da vacinação – 25 de janeiro –, parece carecer do mínimo de competência necessário para realizar uma atividade comezinha de comunicação pública, de interesse da ciência e da saúde: conduzir o anúncio público e transparente dos resultados da Fase 3 dos testes, fase essa em que se avalia a eficácia da vacina.

São esses resultados que permitem estimar qual proporção dos vacinados – 70%? 80%? 90%? – estará realmente protegida de desenvolver a doença COVID-19. Em termos de benefício para a saúde pública, qualquer valor acima de 50% torna a vacina interessante e útil.

O anúncio desses resultados já foi marcado (e desmarcado) oficialmente pelas autoridades paulistas pelo menos quatro vezes. Essa sucessão de hesitações e falsos alarmes já seria embaraçosa – e desrespeitosa, um abuso da paciência da população – em condições normais, mas diante da realidade atual da pandemia é de uma irresponsabilidade intolerável.

Os seguidos adiamentos do anúncio oficial dos dados, em meio ao clima de insegurança, preconceito e temores infundados insuflado pelo presidente da República, clima atiçado pela mais do que compreensível ansiedade do público, revelam um grau de inépcia inimaginável no estado mais rico, desenvolvido e cientificamente avançado da Nação.

O Brasil vive um momento ímpar em sua história recente, de rejeição às vacinas. Essa rejeição, que é ainda maior no caso da vacina paulista, ameaça o controle da pandemia, põe vidas em risco e pode deixar cicatrizes profundas na confiança que o público ainda mantém nos programas de vacinação em geral. Se essa confiança cair, índices de mortalidade infantil quase medievais poderão nos encontrar nas próximas décadas.

Sustentar essa confiança, combatendo mentiras com fatos, desatando o nó de intricadas teorias de conspiração, dirimindo dúvidas legítimas que muitas vezes chegam amplificadas por notícias falsas e meias-verdades, é trabalho que vem mantendo a equipe da Revista Questão de Ciência – e muitos outros comunicadores de ciência de todo o Brasil – em alerta 24 horas.

A incapacidade do governo paulista de cumprir a própria palavra – de obedecer à data por ele mesmo fixada – não ajuda em nada o nosso trabalho e o de tantos outros, profissionais ou voluntários abnegados, que lutam para afastar as nuvens de preconceito racista que o Palácio do Planalto insiste em soprar sobre a vacina Sinovac.

Vacinas são o único caminho para o resgate da vida urbana e do convívio familiar caloroso que tivemos de abandonar com a chegada do novo coronavírus. A vacina de vírus inativado do Instituto Butantan é certamente segura e, muito provavelmente, eficaz. As teorias de conspiração em torno dela são mentiras sem sentido. Esta é a mensagem que todo comunicador de ciência responsável tem se esforçado em transmitir. O que seria muito menos difícil se os adultos que, imaginamos, existem no Palácio dos Bandeirantes parassem de dar munição ao inimigo.

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