Medicina Tradicional Chinesa (MTC) é um termo genérico, aplicado a modalidades usadas historicamente na China antiga. A MTC inclui muitas modalidades terapêuticas e algumas de diagnóstico. Embora essas modalidades divirjam em vários aspectos, alega-se que têm em comum o fato de serem baseadas em pressupostos que, no geral, derivam da antiga filosofia taoísta:
O corpo humano é uma miniatura do universo
Saúde é definida pela harmonia entre duas forças opostas, yin e yang
Doenças são causadas pelo desequilíbrio entre essas forças
Cinco elementos – fogo, terra, madeira, metal e água – representam, simbolicamente, todos os fenômenos e etapas da vida humana, e explicam o funcionamento do corpo e as mudanças causadas por doenças
A energia vital, qi ou chi, é essencial para a manutenção da saúde e flui pelo corpo em meridianos.
A MTC é uma criação de Mao Zedong, que juntou todos os tratamentos históricos da China sob esse guarda-chuva, e inventou os “médicos de pés descalços” para praticar MTC em todo o país – não porque acreditasse na MTC, mas porque havia uma escassez desesperadora de médicos de verdade na China, e o país precisava pelo menos aparentar ter um sistema de saúde.
Nos últimos anos, a China tem feito uma promoção agressiva da MTC, a fim de expandir sua influência global e para garantir uma parcela do mercado global de US$ 50 bilhões (sobre produtos de qualidade duvidosa). Um artigo recente na revista Nature explica que a Assembleia Mundial de Saúde, que comanda a Organização Mundial da Saúde (OMS), deve adotar a 11ª versão do compêndio global da organização – conhecido como Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas de Saúde Relacionados (CID). Pela primeira vez, a CID incluirá informações sobre medicina tradicional chinesa. O capítulo 26 da CID apresentará um sistema de classificação de MTC, baseado não em fatos ou ciência, mas em bobagens obsoletas.
O apoio da OMS se estende a todas as medicinas tradicionais, mas sua relação com a medicina chinesa, e especialmente com a China, tornou-se especialmente próxima, em particular durante o mandato de Margaret Chan, que comandou a organização de 2006 a 2017, e cuidou para que diversos documentos favoráveis à MTC fossem aprovados. As afirmações da OMS sobre medicina tradicional são intrigantes. Diversos documentos da OMS pedem a integração de “medicina tradicional, de qualidade, segurança e eficácia comprovadas”, ao mesmo tempo em que não identificam quais tratamentos e diagnósticos tradicionais seriam comprovados. Wu Linlin, um representante do escritório da OMS em Pequim, declarou à Nature que a “OMS não endossa procedimentos ou remédios específicos da medicina tradicional e complementar”.
Mas isto está em evidente contradição com as ações da OMS em outras áreas. A agência fornece, por exemplo, aconselhamento específico sobre quais vacinas e remédios usar, e quais alimentos evitar. Quando se trata de remédios tradicionais, no entanto, essa informação específica não é encontrada. A mensagem, portanto, é que a OMS endossa a MTC como eficaz e segura.
A evidência, no entanto, conta uma história diversa. Em nosso blog, comentamos repetidas vezes que:
Os testes clínicos de MTC frequentemente são de má qualidade
Existem inúmeras razões para sermos céticos sobre as pesquisas realizadas na China
Os críticos costumam ser silenciados
De modo geral, a evidência sobre MTC não é positiva ou digna de confiança
O órgão regulador de medicamentos da China recebe mais de 230 mil informes de efeitos adversos de MTC a cada ano, e os medicamentos fitoterápicos chineses apresentam diversos riscos:
Os ingredientes utilizados podem ser tóxicos,
Já foi demonstrado que alguns sofrem contaminação por materiais tóxicos, como metais pesados,
Outros são adulterados com drogas sintéticas, como esteroides,
Outros podem interagir com remédios tradicionais tomados concomitantemente
E não nos esqueçamos dos riscos para espécies ameaçadas.
Além disso tudo, não nos esqueçamos do risco indiretos de se usar esse tipo de tratamento inútil para condições que, de outro modo, poderiam ser curadas.
Diante disso tudo, o apoio da OMS à MTC e seus conceitos ultrapassados mostra-se não só incompreensível, mas representa um perigoso passo para trás e, a meu ver, é absolutamente intolerável.
Edzard Ernst, professor emérito da Universidade de Exterer, no Reino Unido, é a maior autoridade mundial em terapias alternativas. Autor de diversos livros, teve publicado no Brasil "Truque ou Tratamento", escrito em parceria com o jornalista Simon Singh. Tradução: Carlos Orsi e Natalia Pasternak