Dinossauros têm pena dos criacionistas

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28 out 2024
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Escultura Dinossauro

 

O filme Jurassic Park (1993) foi um estrondoso sucesso que definiu novas direções para o cinema e influenciou milhões de pessoas no mundo todo. Já ouvi mais de uma vez que “não fosse o filme, talvez eu não fosse paleontólogo hoje”. Sempre reflito se é entusiasmo ou uma reclamação (afinal, paleontologia e empregabilidade mantêm uma relação conturbada). O sucesso do filme se deve, claro, à competência de seu roteiro e direção, à história contada (baseada no livro homônimo, por Michael Crichton), mas sem dúvida também deve muito aos animais retratados: os dinossauros.

Os dinossauros são fantásticos, pois Jurassic Park mostrou que são, ou Jurassic Park é fantástico por causa dos dinossauros? Independentemente da resposta, um dos pontos fortes do filme é sua tentativa de retratar dinossauros “reais”, isto é, próximos da visão que os paleontólogos tinham na época. No filme, os dinossauros foram retratados como ágeis e inteligentes; não lentos e letárgicos, como muitos supunham que fossem. Então, sim, é verdade que houve uma tentativa de trazer uma visão atualizada dos dinossauros. Mas não foi completa. E nem poderia ser, pelo menos em alguns aspectos.

Muitos dos dinossauros retratos em Jurassic Park teriam penas. Hoje em dia isso é senso comum, mas a situação era diferente antes de 1996, quando o primeiro dinossauro emplumado se tornou publicamente conhecido. Foi então que os cientistas começaram a levar mais a sério hipóteses, já em voga pelo menos desde os anos 1970, sobre a natureza dinossauriana das aves. Assim, o filme está perdoado pela ausência das penas, eu diria. E enquanto aguardo um remake, bem roteirizado e dirigido, podemos refletir um pouco sobre essa questão das penas nos dinossauros, já que até nisso é possível encontrar negacionismo e pseudociência.

Não estou exagerando: há mesmo quem negue que aves são dinossauros e/ou que havia dinossauros emplumados. Criacionistas, por exemplo, amam as ideias defendidas pelo paleo-ornitólogo Alan Feduccia, conhecido por negar que aves são dinossauros. Esse é o primeiro nível de negacionismo.

Não é, mas poderia ser verdade que aves não são dinossauros, e isso nada implicaria na existência ou não de dinossauros emplumados. Afinal, as penas poderiam ter evoluído nas aves e também nos dinossauros, ou seja, sem que houvesse uma conexão genealógica entre esses dois grupos. Repito: não é o caso; a conclusão moderna, apoiada em um amplo conjunto de evidências, é que as aves são um grupo especializado de dinossauros.

Mas Feduccia também argumenta que alguns dinossauros emplumados são, na verdade, descendentes de aves que perderam a capacidade de voar. Ou seja, é possível, segundo essa hipótese, que os dinossauros emplumados que vemos no registro fóssil sejam, no fim das contas, apenas aves. Embora saibamos que não é impossível que um ancestral voador dê origem a um descendente terrícola (afinal, pense nos avestruzes e tradicionais “ratitas”), temos muitas razões para pensar que os dinossauros emplumados que observamos no registro fóssil são, sim, dinossauros verdadeiros.

Por exemplo, há dinossauros de diversos grupos que apresentam penas, pelo menos de alguma forma e em alguma parte do corpo. Lembre-se: as penas não são só as de voo; existem diversos tipos, como as que formam a penujem dos juvenis, ou as penas típicas das pernas das aves, e que não são usadas para voar. Além disso, ao dizer que um dinossauro tinha penas, não queremos dizer que ele andava por aí exatamente com a mesma cobertura de uma ave. As penas poderiam ser restritas a algumas regiões anatômicas.

Considere, por exemplo, um espécime do dinossauro Tianyulong, que tem uma fileira de longas estruturas filamentosas nas costas, cauda e pescoço. Recomendo que veja uma imagem desse dinossauro, pois mesmo uma não-especialista saberia diferenciar um animal assim de uma ave. De fato, o Tianyulong é um dinossauro mais relacionado aos Triceratops do que aos dinossauros carnívoros, como os Velociraptor. E por falar nos carnívoros... Yutyrannus e Dilong são dinossauros do grupo dos tiranossauroides, portanto parentes não muito distantes dos Tyrannosaurus. Seus fósseis mostram evidência de penas filamentosas. Mais uma vez, é difícil confundir esses dinossauros com aves que perderam a capacidade de voar.

Feduccia também insiste que, em alguns casos, os filamentos vistos nos fósseis não são sequer filamentos, mas fibras de colágeno. Seria o caso, por exemplo, do dinossauro Sinosauropteryx. Esse foi o primeiro dinossauro não aviano para qual se encontrou evidência de penas filamentosas, uma descoberta de 1996. Ao reduzir os filamentos a colágeno, Feduccia (e, com ele, os criacionistas) tenta destruir o que se tornou um ícone de uma ideia. Porém, uma avaliação recente dessas estruturas conclui “que a interpretação mais parcimoniosa das estruturas fossilizadas que se assemelham a penas em Sinosauropteryx é que elas são, de fato, os restos de penas”. A insistência de Feduccia não é mais que teimosia.

Em seu blog, o paleontólogo Darren Naish dissecou as afirmações que Feduccia fez em seu livro mais recente. Embora Naish tenha encontrado algum prazer na leitura do livro (por razões peculiares), ele reforça um ponto importante:

“Infelizmente para Feduccia, o paradigma de que ‘as aves são terópodes’ [um tipo de dinossauro carnívoro, geralmente bípede] é bem fundamentado e firmemente inserido na visão moderna do que são os dinossauros. Não apenas a origem das aves é considerada um evento significativo na história dos dinossauros, como também aspectos da anatomia, comportamento e biologia das aves foram identificados e extrapolados para grupos de dinossauros de todos os tipos. Em outras palavras, a visão de que os dinossauros não avianos eram quase avianos faz parte do pensamento predominante na ciência atual”.

Não tem jeito, negadores irão negar. Assim como os estúdios de Hollywood parecem se negar a oferecer qualquer coisa que não seja uma visão já meio antiquada dos dinossauros. Precisamos de um novo Jurassic Park, mas essa é outra história, outra coluna.

João Lucas da Silva é mestre em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Pampa, e atualmente Doutorando em Ciências Biológicas na mesma universidade

 

(A fotografia que ilustra este artigo retrata a escultura “Dinossauro”, do artista colombiano Iván Argote, atualmente instalada no parque High Line, em Nova York).

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