Design Inteligente: a vanguarda do desespero

Artigo
8 jul 2024
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DNA

 

O Design Inteligente (DI) está na vanguarda da Ciência. Ou pelo menos é o que David Klinghoffer, um defensor do DI, quer que acreditemos. Segundo ele, um biólogo evolutivo recentemente até admitiu isso. Sinceramente, se isso é verdade, então eu não tenho certeza se vivi no planeta Terra nas últimas décadas. Começo a questionar seriamente todas as minhas dúvidas quanto às histórias que já ouvi sobre abdução. Afinal, nunca se sabe. Ou... não é bem assim que a banda toca e essa história de vanguarda está mal contada.

Primeiro, quem é David Klinghoffer? “David Klinghoffer é um Pesquisador Sênior no Discovery Institute e o editor do Evolution News & Science Today, a voz diária do Centro de Ciência e Cultura do Discovery Institute, que reporta sobre design inteligente, evolução e a interseção entre ciência e cultura”, como consta no site Evolution News. Em segundo lugar, quem é o tal biólogo evolutivo que cedeu e finalmente reconheceu que o DI está na vanguarda? Bret Weinstein.

Não conhece? Até dois dias atrás, nem eu conhecia. Descobri, contudo, que Weinstein é uma figura bastante popular. Por exemplo, sua conta na rede social X tem mais de 1 milhão de seguidores. Seu podcast, The DarkHorse Podcast, em parceria com a esposa Heather Heying, também parece relativamente bem-sucedido na plataforma Rumble. Seu canal pessoal no YouTube conta com 455 mil inscritos até o presente momento e já teve mais de 45 milhões de visualizações desde 2014.

A voz dele tem sido ouvida, portanto. Contudo, nada disso atesta a relevância de seu trabalho em biologia evolutiva. Na verdade, Weinstein não tem sido uma voz poderosa e relevante na literatura técnica em biologia evolutiva nos últimos anos. Para ser sincero, nem sei se algum dia foi. Mas vamos deixar isso de lado, por ora. Até porque, pouco importa. Não são necessariamente as credenciais e a atividade atual num determinado campo que garantem a validade de um argumento.

Com base em excertos de falas de Weinstein no podcast, Klinghoffer conclui que ele reconhece o potencial e os desafios que o DI tem colocado ao Darwinismo. Na verdade, me parece que Weinstein só fez essa concessão ao DI devido ao fato de que deseja procurar falhas no Darwinismo moderno e corrigi-las, melhorar o constructo teórico e empírico que temos no presente.

Weinstein relatou no podcast que conversou, separadamente, com Richard Dawkins e Jerry Coyne, dois afamados (ou infames, para muitos) biólogos evolutivos, e lhes propôs a seguinte pergunta: “por que a biologia evolutiva não teve um avanço significativo desde 1976?”. Isto é, desde a publicação de O Gene Egoísta, a mais famosa obra de Dawkins. Que alguém considere esse livro o último avanço significativo da biologia evolutiva nas últimas décadas já diz muito sobre o pouco contato que essa pessoa esteve na literatura ao longo dos tempos. Depõe muito contra si.

Mas enfim, tanto Dawkins quanto Coyne teriam respondido que todas as grandes questões já foram resolvidas por sua geração, e agora resta apenas uma operação de "limpeza", isto é, arrumar a pouca bagunça que restou. Weinstein se mostra, então, desapontado pela resposta dada por cientistas de tamanho calibre. Weinstein considera essa uma postura inapropriada (e devo confessar que eu também) e declara-se jogando no time “de qualquer pessoa que esteja buscando, de forma direta, elementos de nossa teoria evolutiva que não estão completos, procurando por paradoxos”.

É nesse contexto que ele faz a pequena concessão ao DI, tão celebrada por Klinghoffer. Weinstein afirmou: “Se continuarmos a investigar essa questão [da incompletude da teoria], o que vamos descobrir é que há uma camada do Darwinismo que não compreendemos, e acabará se revelando que os defensores do Design Inteligente estão errados. Mas eles terão desempenhado um papel muito nobre e importante no processo de nos tornarmos mais inteligentes”.

Talvez não tenha ficado claro pela passagem, mas Weinstein não considera exatamente que o DI seja um rival à mesma altura da biologia evolutiva vigente. Na verdade, ele não vê nenhuma razão para duvidar do Darwinismo. Certamente o papel de contestar as ideias vigentes é muito relevante. Contudo, nem só de apontar falhas vive o cientista, mas também de propor soluções. E o que faz o DI? Certamente, eles vivem de apontar supostos problemas na teoria. Vez ou outra eles propõem algo de fato, como foi, por exemplo, o artigo de Basener & Sanford, cujas falhas já foram apontadas, e sobre o qual já falamos aqui.

As propostas do DI foram rejeitadas porque não sobreviveram ao escrutínio experimental, teórico e epistemológico. Reviver argumentos refutados e ficar procurando brechas, sem nada fazer para tapá-las, não é exatamente o que eu tenho em mente quando se fala em vanguarda da Ciência. A necessidade que Weinstein sente de investigar potenciais falhas e incompletudes é nobre, certamente. Mas não é algo que só ele e os proponentes do DI têm feito. Na verdade, discussões sobre a necessidade de ampliar o panorama da Síntese Moderna (como é conhecido o núcleo da Teoria Evolutiva moderna) já têm décadas de idade, como na Revolução Paleobiológica nos anos 1980, ou a proposta de uma Síntese Evolutiva Estendida, um debate ainda sendo travado nos dias de hoje.

 

João Lucas da Silva é Mestre em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Pampa, e atualmente Doutorando em Ciências Biológicas na mesma universidade

REFERÊNCIAS

Post no Evolution News:

https://evolutionnews.org/2024/06/evolutionary-biologist-concedes-intelligent-design-is-the-cutting-edge/

Corte do DarkHorse Podcast: https://youtu.be/J9ce1Jw94Y8?si=cmhH4WobD2GfxZjS

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