Pós-graduação brasileira: crise ou confusão?

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1 jul 2024
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A edição online da Revista Pesquisa Fapesp de junho traz a matéria “Cai interesse por programas de pós-graduação no país”. Na versão impressa, o título saiu como “A dinâmica da crise dos doutores”. As manchetes refletem uma sensação que tem se espalhado pela academia e pelos meios de comunicação. O texto defende que é preciso encontrar uma solução para “uma crise complexa com problemas que se sobrepõem”.

Dados da plataforma Sucupira, divulgados pelo Plano Nacional de Pós-Graduação 2024-2028, mostram, porém, que de 2015 a 2022 o número de matrículas ativas da pós-graduação stricto sensu aumentou de 251 mil para 325 mil; o total de títulos concedidos de mestrado acadêmico, mestrado profissional, doutorado acadêmico e doutorado profissional pulou de 56 mil em 2011 para 82 mil em 2022; a evasão do mestrado caiu de 12,91% em 2013 para 3,12% em 2022. Para o doutorado, neste mesmo período, a evasão foi de 11,40%, para 1,65%; de 2013 a 2022, a oferta de programas de pós-graduação stricto sensu aumentou em 34% e se espalhou por todas as regiões do Brasil.

Em 2020 houve uma queda acentuada, em todas as regiões do Brasil, do número de mestres e doutores titulados. O mestrado ainda não recuperou seu maior número de formandos, ocorrido em 2019, mas no caso do doutorado os números já são praticamente os mesmos de 2019. Esta redução pontual pode ser facilmente explicada em razão da pandemia.

Os dados acima não somente mostram que não existe uma grave crise na pós-graduação brasileira, como exibem uma expansão do número de matriculados, queda de evasão e ampliação da oferta de cursos para todas as regiões do país. É estranho, portanto, que exista uma narrativa apontando para um grave e complexo problema. Flutuações estatísticas acontecem quando se tenta medir qualquer coisa – isto é inerente ao processo de medição e, grosso modo, não requer interpretações além da própria estatística. Essas oscilações não são apropriadas para nortear qualquer decisão.

Um bom curso de pós-graduação forma uma mão de obra extremamente qualificada para o mercado de trabalho não acadêmico. Um recém-doutor tem uma alta capacidade para solucionar problemas e pode ir muito além de um recém-graduado. Esta qualidade, porém, deve ser entendida como um efeito secundário relacionado a uma boa pós-graduação. A maioria dos que se inscrevem num mestrado ou doutorado de universidade pública pretende permanecer na academia e fazer ciência. A ida para empresas, assim como para o exterior, ocorre em grande parte por causa da escassez de posições permanentes nas universidades.

Estudo realizado pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) mostra um aumento expressivo do número de mestres e doutores com emprego formal no Brasil. Em 2009 havia 184.860 mestres empregados, frente a 441.983 em 2021. Para os doutores, o crescimento foi ainda maior: 73.767 empregados em 2009, ante 215.530 em 2021. Isso pode parecer animador, mas não fica claro o porquê desses aumentos, e se a maior qualificação implica vantagem salarial.

A distribuição dos empregados por setores de atividade econômica em 2021 mostra que 71,5% dos mestres estão nas áreas educacional (37,7%) e administração pública, defesa e seguridade social (33,8%). Já no caso dos doutores, 72% estão na área educacional. Ou seja, a presença de mestres e doutores no mercado tradicional pode ser um indesejado desvio de rota na carreira dos acadêmicos. No setor de serviços, há episódios em que a alta titulação foi determinante para a não contratação.

Para o exercício de profissões consideradas de nível superior, nos setores público e privado, em geral bastam, de início, os conhecimentos supridos por um curso de graduação. Pode-se argumentar que o desenvolvimento profissional “pós-graduação” – no sentido literal da expressão, de algo que se dá depois que o estudante cola grau – ocorre no dia a dia do trabalho, através da experiência adquirida ao longo dos anos. Por este ângulo, pouco importa para o mercado tradicional se o profissional tem ou não tem uma pós-graduação acadêmica. Matéria recente no Estadão vai além e traz uma perspectiva negativa da alta titulação: “as instituições costumam priorizar profissionais com mestrado e recém-formados, para garantir remunerações mais baixas, o que complica a vida de quem tem doutorado”.

A ausência objetiva de uma crise não impede, obviamente, que se apresentem novos projetos, bem como o aperfeiçoamento das iniciativas existentes para a pós-graduação. Várias discussões, porém, sobre os caminhos da universidade, parafraseando o sociólogo e filósofo polonês Zygmunt Bauman, têm se mostrado líquidas demais, oscilando entre objetivos que tentam, a cada hora, satisfazer um personagem diferente, sejam os rankings externos, a paz mundial, o estudante sensível, as necessidades do mercado etc.

A função primordial da universidade é ser a melhor fonte de conhecimento, capital humano e de ideias inovadoras – que poderão ser assimilados pela sociedade e usados por empresas, governos etc. para resolver os mais diversos problemas. Essas qualidades surgem naturalmente em cursos de excelência.

É, portanto, mais produtivo manter em vista a essência da pós-graduação e da universidade, em vez de ficar tentando moldá-las segundo demandas que pouco ou nada têm a ver com sua missão fundamental. A primeira necessidade de qualquer discussão é que seja embasada em dados, evitando a reprodução espontânea de impressões que sequer foram bem analisadas, transformando a universidade em algo amorfo, com objetivos tão difusos e questionáveis que podem macular a credibilidade da própria instituição.

Marcelo Yamashita é professor do Instituto de Física Teórica (IFT) da Unesp e membro do Conselho Editorial da Revista Questão de Ciência

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