Estudo constata a impotência do "poder da manifestação"

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22 set 2023
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Uma coisa em comum em quase todo esquema milagroso, seja a "teologia da prosperidade" do pastor neopentecostal, o best-seller de autoajuda, a barafunda corporativa do coach profissional ou a pseudociência quântica de um guru com nome de chá, é a importância dada ao "pensamento positivo". A riqueza, o sucesso ou a cura só virão se a pessoa acreditar realmente que vai alcançar seus objetivos e/ou mantiver uma atitude otimista. É uma estratégia esperta, já que o fracasso também passa a ser responsabilidade ou culpa única e exclusiva do indivíduo, a quem, no caso, certamente faltaram fé e otimismo suficientes.

Foi pensando nisso que um grupo de pesquisadores australianos liderado por Lucas J. Dixon, da Universidade de Queensland, decidiu investigar a psicologia em torno desta que chamaram de "crença na manifestação", a ideia de que objetivos, vontades e desejos podem se tornar realidade por meio de uma "parceria" entre a pessoa e o Universo, Deus, uma "força superior" ou até mesmo uma "versão melhor" de si, via uma imaginária "lei da atração" cósmica, supostamente ativada por meio de pensamento positivo e visualização.

Na conclusão de uma sequência de estudos reunidos em artigo publicado recentemente no periódico Personality and Social Psychology Bulletin, eles informam que não encontraram relação do "pensamento positivo" com maior renda ou nível educacional, que usaram como aproximações do conceito de sucesso. Pelo contrário, as pessoas com maior pontuação numa escala de "crença na manifestação" tinham tendência maior de fazer mais investimentos arriscados e passar por falência econômica, além de uma percepção exagerada do sucesso atual e expectativas irreais quanto ao futuro.

Não que otimismo seja de todo inútil. Os pesquisadores mencionam trabalhos anteriores que identificaram efeitos benéficos de uma atitude positiva diante da vida no comportamento e na motivação, bem como da autoconfiança e autoestima no fenômeno das profecias autorrealizáveis, em que "uma pessoa pode estabelecer objetivos futuros, se comportar de maneiras congruentes com estas aspirações, e ver e usar oportunidades porque está preparada para prestar atenção a certos aspectos do mundo relacionados a seus objetivos".

O problema, destacam, é incluir a intermediação ou envolvimento de conceitos pseudocientíficos ou forças paranormais e/ou espirituais no processo. Algo como a anedota do náufrago que reza pela salvação, mas deixa passar o tronco flutuante, a boia e o bote vazio que se aproximam, à espera do "milagre".

"Na sua forma extrema, ela (a crença na manifestação) representa uma visão de mundo em que todas as experiências da vida acontecem por meio desta parceria entre a mente, forças místicas e a matéria. No lugar de ser uma maneira regular de expectativa positiva, ela é mais uma forma de pensamento mágico", apontam.

 

Escala e prevalência

O trabalho dos pesquisadores começou com o desenvolvimento de um teste psicométrico para medir a "crença na manifestação". A partir de uma série de estudos-piloto, eles chegaram a um questionário de 12 itens, inspirados por citações de livros populares de autoajuda divididos em duas dimensões principais: "colaboração cósmica", mais "externa", relacionada à crença de que uma pessoa pode acessar poderes mágicos para manifestar o sucesso; e "poder pessoal", mais "interna", associada à crença de que o sucesso pode ser manifestado por meio de pensamentos positivos, emoções ou gestos simbólicos (como agir como se já fosse bem-sucedido).

Segundo os pesquisadores, todos itens foram montados de forma a atender a três critérios: uma resposta de forte concordância implicaria o erro lógico de imbuir uma coisa com as propriedades de outra (um pensamento interno ter um efeito físico externo); supor implicitamente uma relação de causa e efeito que é empiricamente improvável (um pensamento presente causar um evento no futuro); e trazer referência à ideia de manifestação (resultados bem-sucedidos podem ser atraídos). Coisas como "eu atraio o sucesso para minha vida com a ajuda do Universo ou de um poder superior" ou "para atrair o sucesso eu me alinho com forças ou energias cósmicas", na dimensão "externa", e "visualizar um resultado bem-sucedido faz com que ele seja atraído para mais perto de mim" ou "se eu pensar que terei sucesso, apenas estes pensamentos fazem do sucesso mais provável", na dimensão "interna".

Segundo os autores, análise das respostas - que variavam entre "discordo fortemente" e "concordo fortemente" em uma escala de sete pontos - de cerca de 300 participantes revelou que a crença na manifestação é "bem prevalente", com cerca de um terço dos respondentes podendo ser considerados "fiéis da manifestação". Além disso, a concordância da amostra aos itens que refletiam crença no "poder pessoal" ficou bem acima do ponto médio (4,94 frente a 4, "não concordo nem discordo"). Já a concordância com "colaboração cósmica" esteve um pouco abaixo do ponto médio na amostra (3,81 frente a 4), com um resultado composto na medida geral de "crença na manifestação" ainda acima do ponto médio da escala (4,23 frente a 4).

A análise demográfica não encontrou diferenças significativas entre as pessoas com maior pontuação em "crença na manifestação" os demais participantes em termos de idade, gênero ou renda. Já com relação à educação, pessoas com menos tempo de escola tiveram uma tendência a acreditarem mais no "poder pessoal", enquanto uma orientação política mais conservadora também foi associada a uma maior "crença na manifestação". Vale ressaltar que um item do questionário original - "para atrair o sucesso, mando para o Universo a mesma energia que quero receber de volta" - acabou excluído das análises devido à confusão com o relacionado ao já mencionado alinhamento com as forças ou energias cósmicas.

 

Alienação e fantasia

Dados os resultados do estudo inicial, os australianos partiram para avaliar como a crença na manifestação se relaciona às percepções de sucesso, atual e futuro, dos indivíduos. Usando a versão revisada, agora com 11 itens, de seu questionário sobre crença na manifestação, colheram dados sobre consumo de materiais da "indústria do sucesso", além de aplicar partes de outros testes psicométricos, destinados a medir a relação entre pensamento e ação, espiritualidade religiosa ou não religiosa, crença em justiça cármica e nível de esperança dos participantes.

Além disso, os cerca de 350 participantes responderam a dois questionários curtos sobre percepção de sucesso atual e futuro em torno de objetivos de vida comuns. Eles podiam ser "materiais", como fama - "ser admirado por muitas pessoas" -, aparência - "quero ter uma imagem que outras pessoas achem atraente" -, e riqueza - "quero ser rico"; "pessoais" - como "quero crescer como pessoa e aprender coisas novas" ou "quero conhecer e aceitar quem eu sou"; "relacionais" - como "quero me sentir amado e ser amado por quem eu amo" -; "sociais" - como "quero trabalhar para fazer o mundo melhor"; e de "saúde" - como "quero ser relativamente livre de doenças". Em todos, eles tiveram que avaliar o quanto achavam estes objetivos importantes, o quão provável eram que se tornassem realidade no futuro, e quanto do objetivo já tinham alcançado, novamente numa escala de sete pontos que ia de "nada" a "muito", com "moderadamente" no meio.

Segundo os pesquisadores, a análise das respostas neste segundo estudo mostrou que os indivíduos que acreditam na manifestação tendem a se verem como mais bem-sucedidos do que realmente são, independente de fatores como idade, renda, gênero ou educação. A crença na manifestação também se mostrou boa preditora de uma percepção de maior probabilidade de sucesso futuro independente destas variáveis demográficas, da percepção do sucesso atual e em linha com o quão "esperançosos" os participantes se mostraram.

"Diante disso e do fato de que os crentes na manifestação não mostraram um sucesso objetivo maior em termos de renda e nível educacional no Estudo 1, as percepções deles sobre o sucesso futuro podem ser exageradamente otimistas", consideram.

Assim, fechando a sequência de estudos, os pesquisadores decidiram investigar se a crença na manifestação poderia aumentar as chances de a pessoa se envolver em investimentos ou empreendimentos arriscados, e como ela se relacionaria com expectativas irreais de sucesso futuro. Numa amostra agora de 400 participantes, voltaram a aplicar seu questionário de 11 itens sobre manifestação, somando um teste psicométrico de propensão a riscos, perguntas sobre engajamento em investimentos como criptomoedas e ações, e se já foram vítimas de fraudes ou declararam falência pessoal.

Além disso, para entender melhor como a crença na manifestação se relaciona com excesso de confiança ou expectativas irreais de sucesso futuro, perguntaram aos participantes se acreditam na possibilidade de ficar rico rápido e na eficácia de esquemas para isso. Também pediam para que os participantes dissessem qual habilidade, qualidade ou talento mais valioso que consideram ter.

A partir dessa resposta, itens subsequentes encaixariam a habilidade, qualidade ou talento como fonte de um grande sucesso improvável no futuro, definido como uma renda de US$ 300 mil anuais, uma lista de 100 mil leais clientes ou seguidores e uma influência positiva na vida de milhares de pessoas, pelo que teriam respeito e reconhecimento. Os participantes teriam então que dizer o quanto achavam que iam alcançar estes objetivos, e em que prazo, indo de menos de um ano a até 15 anos.

A análise geral mostrou que a crença na manifestação estava relacionada com uma maior probabilidade de investimento em criptomoedas, mas não em ações de empresas tradicionais. Os crentes da manifestação também tinham uma chance 28% vez maior de terem sido vítimas de fraude, e 42% maior de terem passado por uma falência pessoal. Também foram grandes as associações com acreditar no cenário improvável de sucesso futuro, e com a expectativa de atingi-lo num prazo mais curto.

"Em resumo, os crentes na manifestação são mais propensos a ter confiança exagerada em atingir níveis improváveis de sucesso, e exibir comportamentos que podem levar a prejuízos financeiros", escrevem os cientistas. "Estas associações parecem ser específicas ao sistema de crença na manifestação, e não à eficácia pessoal, controle, estima, estabilidade emocional, estilo cognitivo de decisão ou capacidade de adiar recompensas. Isto pode ter consequências para a carreira e decisões de negócios. Em particular, os crentes na manifestação têm maior probabilidade de acreditar em alegações feitas por aqueles na indústria do sucesso sobre o nível, possibilidade e cronograma do sucesso futuro".

Vulnerabilidade

Diante dos resultados, os pesquisadores australianos argumentam que a crença na manifestação é uma forma única de pensamento mágico, que embora relacionada a vieses de fusão de pensamento-ação, justiça cármica e espiritualidade, constitui um construto psicológico distinto. E apesar de reconhecerem que o pensamento positivo pode ser uma boa maneira de manter o otimismo na busca por seus objetivos, eles alertam que ter metas irreais ou persistir face a evidências em contrário pode ser prejudicial, como mostram os dados de investimentos arriscados e falência.

"Atribuir corretamente o sucesso e o fracasso pode ser particularmente desafiador para os crentes da manifestação, já que seu sistema de crença encoraja o reenquadramento positivo do fracasso", acrescentam. "Por exemplo, um crente na manifestação que não atinge algo pode dizer que ainda não está em 'alinhamento vibracional completo' com seu objetivo, ou que 'adiamentos de Deus não são negativas de Deus'. Embora o reenquadramento possa ser uma estratégia de sobrevivência eficaz do ponto de vista emocional, ele também tem o potencial de ser prejudicial se leva à negação ou falsas esperanças".

Desta forma, a crença na manifestação também pode levar à frustração, com estudos anteriores em que pessoas foram instruídas a focar em como uma declaração positiva sobre elas é verdadeira - por exemplo, "sou muito amável" -, aquelas com menor autoestima se sentiram piores depois. E o mesmo pode acontecer com os crentes na manifestação, que assim também ficariam mais vulneráveis à exploração da indústria do sucesso ou de esquemas de riqueza rápida e fácil, como pirâmides financeiras.

"Em conclusão, à medida que o desejo por mais formas de sucesso cresce, também aumentam as promessas da indústria do sucesso de 'especialistas', 'gurus' e 'influenciadores' que oferecem inspiração, educação e sistemas para ser bem-sucedido", finalizam os pesquisadores. "Ao desenvolver esta escala, convidamos explorações subsequentes da relação da crença na manifestação com a pseudociência na indústria do sucesso e em domínios pessoais de alta importância, como decisões de carreira, finanças e saúde".

 

Cesar Baima é jornalista e editor-assistente da Revista Questão de Ciência

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