A persistente febre dos discos voadores

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2 ago 2023
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disco voador no capitólio

 

O Universo é grande. Tão grande que, se a Terra for o único planeta habitado, será um terrível desperdício de espaço. A observação do filósofo escocês Thomas Carlyle (1795-1881), citada pelo astrofísico americano Carl Sagan (1934-1996) - um dos mais notáveis defensores e divulgadores da ciência do século 20 - representa um argumento para acreditar na existência de vida extraterrestre. Mas que por enquanto não passa disso, uma crença. Como o mesmo Sagan afirmou, alegações extraordinárias exigem evidências extraordinárias. E nenhuma evidência - sequer ordinária, muito menos extraordinária - foi apresentada na mais recente audiência pública convocada pela Câmara de Representantes dos EUA sobre os agora chamados "fenômenos anômalos não identificados" (UAPs, na sigla em inglês), novo rótulo dos antigos objetos voadores não identificados (UFOs, ainda na sigla em inglês, ou simplesmente óvnis, no bom português).

Na frente dos congressistas americanos, dois ex-pilotos militares, Ryan Graves e David Fravor, relataram seus encontros com objetos desconhecidos que aparentemente realizaram manobras "impossíveis". Registrados por instrumentos de bordo. Estes encontros são a origem do conjunto de imagens revelado pela primeira vez em 2017 por The New York Times, e admitido como autêntico pelo Pentágono em 2020, que deflagrou a mais recente onda de interesse pelo assunto. Os relatos de Graves e Fravor, e os vídeos a eles associados, levaram a ufologia das franjas culturais do conspiracionismo para o centro do debate público, temperado com denúncias de mau uso de recursos em operações oficiais e clandestinas para investigação e acobertamento, agora veiculadas por organizações jornalísticas respeitáveis como o mencionado New York Times.

Em seus depoimentos, Graves e Fravor evitaram especular sobre uma possível origem extraterrestre dos objetos que viram, focando na ameaça que representariam para a segurança nacional dos EUA, já que permanecem como "não identificados". "Se os UAPs são drones estrangeiros, este é um problema urgente de segurança nacional. Se são outra coisa, é uma questão para a ciência. Em ambos os casos, objetos não identificados são uma preocupação para a segurança de voo", disse Graves. "A tecnologia que enfrentamos era muito superior a qualquer coisa que tínhamos", resumiu Fravor.

Mesmo essa avaliação, no entanto, é duvidosa, ao menos nos casos específicos dos "encontros" de Graves e Fravor. Especialistas em análise de vídeo, como Mick West, já apontaram diversas causas mundanas para as imagens captadas pelos aviões de Graves e Fravor, como brilho infravermelho do jato de aviões distantes ou limitações na definição do equipamento.

Entra então David Grusch. Apresentado como um ex-oficial de inteligência da Força Aérea americana, Grusch é um personagem novo na cena ufológica, em que apareceu pela primeira vez em junho passado. Assumindo o papel de whistleblower (denunciante, a pessoa que vem a público revelar o mau comportamento de uma organização da qual geralmente faz parte), ele alega ter conhecimento de um programa secreto do governo dos EUA que há décadas recolhe e estuda restos de naves e seres extraterrestres, tentando fazer a engenharia reversa de sua tecnologia. O problema? Todo este suposto conhecimento é de segunda mão, vindo de relatos de outras pessoas com que teve contato enquanto trabalhava em uma força-tarefa do Pentágono para investigar os UAPs. Grusch mesmo nunca viu um ET, tampouco foram divulgadas informações sobre possíveis provas que tenha de suas alegações e teriam sido entregues ao Congresso.

Isso não impediu, no entanto, que seu depoimento ganhasse manchetes nos EUA e mundo afora, inclusive no Brasil. Na maioria dos casos, a cobertura da imprensa nacional e internacional se resumiu a exemplos de jornalismo declaratório, reproduzindo as falas dos depoentes e de integrantes da comissão da Câmara americana que convocou a audiência, sem qualquer leitura crítica e pouco ou nenhum contraponto a suas afirmações.

E, assim, a febre dos discos voadores, e a crença em uma conspiração para esconder sua existência do público, continua a se espalhar nos EUA, e de lá para o mundo. Levantamento de 2019 da empresa de pesquisas de opinião Gallup aponta que 68% dos americanos acreditam que o governo de seu país sabe mais sobre o assunto do que admite, com a proporção dos que acham que pelo menos parte dos avistamentos de UAPs envolve naves alienígenas tendo subido de 33% então para 41% em nova pesquisa conduzida em meados de 2021. Já outra pesquisa da empresa Pew Research também feita em meados de 2021 indica que 65% dos americanos acreditam que existe vida inteligente em outros planetas, com 51% respondendo que os óvnis relatados por civis e militares são "definitivamente" ou "provavelmente" evidências de que isso é verdade.

 

Oportunidade de marketing

Mas a febre dos discos voadores não estimula só o conspiracionismo. A repercussão da audiência na Câmara americana também abriu uma boa oportunidade de marketing pessoal e institucional. Um dos que aproveitou isso foi o astrofísico Avi Loeb, conhecido no meio acadêmico justamente por ver sinais de alienígenas por todos os lados, usando suas credenciais de professor da prestigiosa Universidade de Harvard para dar peso a suas alegações.

No fim de junho, Loeb havia anunciado a descoberta de pequenas esferas de metal no fundo do Oceano Pacífico, a nordeste da costa de Papua-Nova Guiné, que seriam restos de um meteoro que caiu na região em 2014. Mais que isso, porém, o meteoro também não seria um asteroide comum, mas, segundo ele, possivelmente uma sonda interestelar lançada por alienígenas. Não por acaso, Loeb ganhou notoriedade com o público em geral após suas alegações de que Oumuamua, uma rocha espacial alongada detectada passando pelo Sistema Solar em 2017 e cuja trajetória os cientistas apontam ser de provável origem interestelar, também seria um equipamento do tipo.

Com a audiência no Congresso dos EUA, as alegações de Loeb receberam nova rodada de atenção da mídia. Ao New York Times, ele afirmou que as esferas eram restos de "muito provavelmente um equipamento tecnológico dotado de inteligência artificial". Já aqui no Brasil, reportagem do Fantástico exibida no último domingo juntou o depoimento de Grusch às afirmações de Loeb, que em entrevista ao programa reafirmou esperar provar que as esferas são de origem interestelar e, num salto lógico impressionante - e infundado -, portanto restos de uma sonda construída por uma inteligência extraterrestre.

Apresentado como “respeitado astrofísico” na matéria do Fantástico, Avi Loeb na verdade é objeto de críticas, quando não de chacota, de seus colegas por sua insistência em levantar a possibilidade de envolvimento de alienígenas nos mais diferentes fenômenos astronômicos. “As pessoas estão fartas de ouvir sobre as alegações alucinadas de Avi Loeb", disse ao mesmo New York Times Steve Desch, astrofísico da Universidade do Estado do Arizona (EUA). “Elas estão poluindo a boa ciência - misturando a boa ciência que fazemos a este sensacionalismo ridículo, e sufocando o ambiente".

Enquanto isso, a Nasa, de olho na oportunidade de relações públicas, também entrou na jogada, prometendo divulgar até o fim deste mês os resultados de análises de uma comissão que criou para estudar os UAPs. Em uma apresentação preliminar promovida pela agência espacial no fim de maio, Sean Kirkpatrick, diretor do Escritório de Resolução de Anomalias em Todos os Domínios (AARO, na sigla em inglês) do Departamento de Defesa dos EUA, e que não integra a comissão da Nasa, indicou que algo entre 2% e 5% dos cerca de 800 UAPs relatados à sua organização e analisados até então permanecem sem explicação.

Para a Nasa, porém, pode ser uma boa ocasião para chamar a atenção para sua próxima grande - e cara - missão de exploração do Sistema Solar. Prevista para ser lançada em outubro do ano que vem, a sonda Europa Clipper tem como objetivo estudar a lua jupiteriana Europa, que esconderia um oceano global de água salgada sob sua grossa crosta de gelo, mantido sob estado líquido sob influência das poderosas forças de maré impulsionadas pela gravidade de Júpiter, com uma superfície rochosa vulcanicamente ativa em torno de um núcleo metálico. Ambiente que guardaria semelhanças ao que se acredita a vida se desenvolveu pela primeira vez na Terra, bilhões de anos atrás. Assim, o nosso primeiro contato com vida extraterrestre provavelmente não será com homenzinhos verdes a bordo de um disco voador, mas microrganismos num oceano alienígena.

 

Cesar Baima é jornalista e editor-assistente da Revista Questão de Ciência

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