Por que algumas pessoas hesitam em tomar as vacinas?

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14 jun 2021
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Faz tempo que os especialistas afirmam que a vacinação em massa é a chave para controlar a pandemia de COVID-19. E embora uma boa parcela de americanos tenha aderido à vacina, muitos continuam relutantes. Uma pesquisa, divulgada em meados de maio, indicou que 22% vão “definitivamente” ou “provavelmente” optar por não tomar a vacina. Por causa desses hesitantes, muitos experts não acreditam que os Estados Unidos, um dia, alcancem a imunidade coletiva, aquele ponto em que há pessoas vacinadas em número suficiente para manter a disseminação do vírus sob controle. 

Os motivos pelos quais as pessoas não vão se vacinar são complexos e variam de pessoa para pessoa, de uma comunidade para outra e de país para país. Num dos extremos desse espectro então os anti-vaxxers convictos, que pensam erroneamente que as vacinas são ruins para a saúde (um ensaio publicado na revista Nature em abril estima que o movimento tem 58 milhões de seguidores nas redes sociais). Mas há muita gente que simplesmente hesita, incluindo muitas pessoas em comunidades marginalizadas.

Embora não exista uma única estratégia para enfrentar a hesitação diante da vacina, quanto mais entendermos as forças sociais, econômicas e políticas que estão por trás desse comportamento, mais capazes seremos de encontrar soluções, de acordo com Heidi J. Larson, diretora do Projeto Confiança em Vacina (Vaccine Confidence Project) e professora de antropologia e ciência do risco e decisão da London School of Hygiene and Tropical Medicine. Ela também é autora do livro “Stuck: How Vaccine Rumors Start — and Why They Don’t Go Away”, de 2020.  

 

Undark: O que é exatamente a hesitação em tomar a vacina e no que ela difere dos chamados anti-vaxxers?

Heidi J. Larson: Pessoas que hesitam em tomar a vacina não são necessariamente contra vacinas. Na verdade, elas podem tomar vacinas tranquilamente, mas ter dúvidas e hesitar diante de uma só. Ou de um ingrediente de uma delas, ou tomaram uma vacina e não querem tomar a segunda dose, ou não têm certeza se vão tomar a vacina ou não. É perfeitamente razoável ter dúvidas e hesitar, especialmente se você é mãe de primeira viagem, por exemplo, e tem muitas vacinas diferentes e combinações de vacinas à disposição – não é raro as pessoas terem dúvidas.

Uma das coisas que realmente exacerbou a polarização em torno das percepções e confiança nas vacinas é que esse grupo de pessoas hesitantes foi julgado e colocado na vala comum dos antivacinas, porque não estão alinhados com a verdade. É importante fazer essa distinção, porque precisamos reconstruir essa ponte. Estamos perdendo pessoas que poderiam nos ajudar a chegar na imunidade de rebanho.

 

Undark: Que fatores levam uma pessoa ou grupo de pessoas a ter esse tipo de hesitação?

Heidi J. Larson: Geralmente, a principal razão está ligada a algum aspecto segurança das vacinas. Muitas vezes as pessoas mencionam segurança, mas, na verdade, há outros temas que elas consideram que não vão parecer aceitáveis para a comunidade médica. Dizem que é segurança, mas na verdade é porque não combina com seu estilo de vida, ou religião ou filosofia. Há um grupo crescente de jovens mães que são extremamente pró-natureza não apenas em relação a vacinas: favoráveis a parto em casa, alimentação vegana e sem glúten e nem usam contraceptivos, recorrem à “tabelinha”.

Vejo isso em diferentes partes do mundo. É mais uma questão de valores, estilo de vida e opções. É difícil argumentar, porque não diz respeito apenas a vacinas, mas a algo maior. É como dizer a alguém que ele não pode seguir a religião dele, mas que tem de seguir a “nossa”, sendo a nossa a da comunidade da saúde pública. Essa é uma situação de muita tensão. E reconheço que fazemos um trabalho ruim com a comunidade científica em termos de informar que, na verdade, as vacinas acionam seu sistema imunológico natural, dão suporte para que ele seja mais eficiente. E há ainda a questão das liberdades individuais e de escolha, que remontam aos primeiros movimentos antivacina, na época da primeira vacina contra varíola, no fim do século 18.

 

Undark: Nos Estados Unidos, as comunidades minoritárias foram atingidas pela COVID-19 de forma desproporcional e também houve mais hesitação em relação a vacinas em certas comunidades do que na população em geral. Que fatores estão por trás disso?

Heidi J. Larson: A palavra-chave aqui é confiança. Como vimos em algumas comunidades dos Estados Unidos, há uma profunda desconfiança em certas comunidades por causa de experiências históricas que deixaram marcas dolorosas nas mentes da comunidade. Também temos a desconfiança pessoal, no caso de alguém que teve uma experiência ruim no sistema de saúde, que deixou a sensação de não ter sido bem tratado ou de não ter acesso ao sistema. Por que desta vez aceitariam as recomendações que só são boas para outras pessoas? Essas pessoas sempre ficaram de fora, pode haver ressentimento.

Há múltiplos níveis de confiança. Há a questão da confiança nas vacinas, se vão funcionar, se são seguras. Se há confiança em quem oferece atenção em saúde. Se há confiança no sistema e nos serviços que oferece. E, então, temos a confiança no governo, na política que regula, exige e, às vezes, impõe a vacinação. Se você não confia no governo, por que deve fazer o que ele manda?

 

Undark: Parece, então, que são necessárias abordagens diferentes.

Heidi J. Larson: Eu chamaria de um cardápio de opções, em que a estratégia se adapta a cada situação. Um dos problemas é que frequentemente fazemos suposições sobre o que as pessoas estão pensando ou sentindo, sem realmente perguntar a elas. Presumimos que “elas não têm informações suficientes”, mas na verdade, o problema não é o acesso às informações.

 

Undark:  Nesse caso, precisamos mais do que bombardear as pessoas com links para sites que explicam como as vacinas funcionam…

Heidi J. Larson: Na verdade, isso pode aborrecer as pessoas, que estão contando como se sentem, enquanto você despeja fatos sobre elas, quando essa não é a questão.

 

Undark: E a política? Muitos analistas apontam para uma politização das vacinas, especialmente nos Estados Unidos.

Heidi J. Larson: Voltamos à questão dos valores e lealdade a líderes que deixaram o poder. Vemos isso em outros países também: se você é leal ao governo, você segue a orientação dele. Se você não apoia o partido governista, então você não quer as vacinas que ele oferece. E no caso dos Estados Unidos, há uma diferença evidente em termos de resposta à COVID-19, sendo que metade da população é ainda muito leal ao outro lado. E como esse grupo não está mais na Casa Branca, está atuando de outra forma, e essa forma é a vacina.

Vemos isso em outros países também, em que as pessoas se ressentem de uma nova administração ou nova liderança – que não é a que desejam – de forma que se perguntam por que deveriam vê-lo de maneira positiva. Podemos até argumentar que estão indo contra seus próprios interesses, mas seus valores e sistema de crenças são maiores que isso. Elas vão comprometer sua saúde por esses valores e crenças.

 

Undark: Qual a forma mais promissora de avançar nesse tema?

Heidi J. Larson: O que vimos nos exemplos mais efetivos, coisas que realmente mudaram atitudes de comunidades – e vimos isso globalmente no programa de erradicação da pólio – é que tudo depende da resposta local. A Black Coalition Against Covid tem sido impressionante, mobilizando grupos de médicos negros e líderes das comunidades mais resistentes e que menos confiavam nas vacinas e reduzindo uma rejeição de 65% para 35%. Não é zero, mas é quase a metade dos índices iniciais.

Em algumas comunidades de americanos nativos, em que suas tradições estão ancoradas nos mais velhos – o principal grupo de risco para a COVID-19, é fundamental manter vivos esses idosos, para preservar sua sobrevivência cultural. Acredito que quando as coisa são traduzidas e compreendidas dentro de comunidades que questionavam as vacinas – quando são compreendidas e explicadas em seus próprios termos, por pessoas em que confiam – temos mudanças sensíveis.

Dan Falk é um jornalista de ciência baseado em Toronto (Canadá). Esta entrevista foi publicada originalmente em Undark.

 

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