É quase certo que você já ouviu falar de evolução, no sentido biológico da coisa. Mesmo que você tenha apenas uma vaga ideia, pelo menos já conhece a expressão. Agora, o termo seleção natural, você deve ter ouvido com menor frequência. Quando Charles Darwin popularizou a ideia de que as espécies se transformam ao longo do tempo, modificando-se, ele disse que a grande força responsável por direcionar o caminho evolutivo, decidir quem vive e quem morre, é a seleção natural. Indivíduos dotados de características que ajudam a sobreviver em condições hostis permanecem, reproduzem-se e verão seus genes presentes na próxima geração. Indivíduos que não têm essas modificações provavelmente vão morrer antes de deixar filhotes, e seus genes desaparecem com eles. Simples assim.
Só que os ambientes mudam, e de forma aleatória. Se não houver indivíduos com diversos tipos diferentes de adaptações o tempo todo, as mudanças ambientais podem exterminar uma espécie que só tem disponível um tipo específico de “truque” de sobrevivência.
Tomemos como exemplo os indígenas brasileiros. Todos viviam muito bem em suas tribos, até que surge um fator completamente inesperado. O europeu. Do nada, ele se aproxima e inicia o contato, trazendo consigo doenças, como o vírus da gripe. O sistema imunológico dos indígenas não tinha resistência contra isso. Quando o primeiro é contagiado, ocorre um efeito cascata com resultados devastadores. Sem indivíduos resistentes, se todos contraíssem gripe, todos iriam morrer, e não haveria mais indígenas. A seleção natural funciona assim.
E onde entram as universidades nesta história? Com outro exemplo. Em 2014, o Brasil sediou a Copa do Mundo. Recebeu gente de todas as regiões do planeta. E com os torcedores, vieram também visitantes indesejados. Em 2015, surgem os primeiros casos de uma doença virótica diferente, que começa a assolar o país. Ao mesmo tempo, observa-se um aumento anormal de crianças nascidas com microcefalia. O vírus da zika havia chegado ao Brasil. Só que o país estava, de certa forma, “imunizado”. Haviam laboratórios de imunologia, devidamente equipados, só que estudavam outras doenças. Eles foram acionados e podiam fazer alguma coisa sobre a nova epidemia.
Ninguém esperava uma epidemia do vírus da zika. Mas ela aconteceu. As universidades têm diversas áreas de estudo, para diferentes ciências, porque essa é uma forma de manter o país sempre bem munido contra situações adversas. Os laboratórios de imunologia brasileiros não foram construídos durante a epidemia. Existem há décadas. Nunca chamaram a atenção dos holofotes e das televisões. Mas, em 2015, tudo mudou. Receberam mais verbas para continuar pesquisando o assunto, e sobre possíveis novos problemas parecidos que possam ocorrer.
Não há como prever o que vai acontecer no futuro. Não podemos julgar se uma ciência é melhor ou mais importante que a outra, com base apenas no que enxergamos agora. Por isso, investimentos devem ser abundantes e bem distribuídos em diversas áreas do conhecimento. Você pode pensar que é sempre bom ter um laboratório de imunologia. E está certo. Mas o cientista que liderou as pesquisas, que foi treinado para ser um pesquisador em uma universidade, e que conseguiu gerar informações para enfrentar o problema, também já foi um estudante. E, provavelmente, desenvolveu pesquisas que foram completamente diferentes do que faz agora. Talvez tenha ganhado uma bolsa de iniciação científica para pesquisar jabutis. Você talvez ache que estudar jabutis é um desperdício, mas ela foi fundamental para que ele se tornasse o pesquisador que você precisou, quando menos esperava.
O investimento em pesquisas serve também para treinar jovens no método científico, através da execução de um projeto de pesquisa. Investimentos em ciência e tecnologia são investimentos caros e de longo prazo, bem distantes da lógica do mercado. Só que os produtos do mercado são resultado direto da aplicação do conhecimento científico, que na maioria das vezes foi obtido em universidades, com financiamento público.
Quando você investe em ciência, você está investindo no seu país, na sua sociedade. E em você mesmo.
Wendel Teles Pontes é professor da Universidade Federal de Pernambuco, diretor da Associação Científica de Pernambuco