Como os antivaxxers reagem à pandemia de COVID-19

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1 mai 2020
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vamp mask antivaxx

 

No início de março, Melissa Floyd, que participa do podcast The Vaccine Conversation e se diz “educadora livre de saúde”, teve de mudar de planos de repente. Ela e seu colega de programa estavam de malas prontas para uma turnê por várias cidades quando explodiu a crise da COVID-19, e as viagens foram adiadas por meses.

Melissa Floyd e seu colega, Bob Sears, um pediatra da Califórnia que defende retardar a idade de vacinação das crianças e evitar algumas imunizações, fizeram um podcast para explicar o adiamento, destacando que ambos não tinham medo nenhum do vírus. “As agências do governo mandam a gente lavar as mãos, mas por que não falam das coisas que podem fortalecer nossa imunidade, como a vitamina D? Por que não falam em reduzir o consumo de açúcar? Por que não recomendam consumir frutas e legumes e evitar alimentos processados?”, perguntou Floyd.

“Não ouvi nada sobre como fortalecer nosso organismo – só ‘lave as mãos, use máscara e uma hora vamos ter uma vacina’”, continuou. (Floyd não respondeu ao pedido de entrevista da Undark.)

Floyd e Sears são influentes – o podcast The Vaccine Conversation foi baixado cerca de 400 mil vezes em 92 países – e pontos de vista como o dessa dupla vêm crescendo em popularidade e provavelmente têm contribuído para surtos de doenças como sarampo e coqueluche. Essas crenças e mensagens variam: os defensores da “liberdade de saúde e médica” tendem a se opor a qualquer recomendação médica, enquanto os ”céticos” das vacinas questionam a necessidade de imunização médica. Os antivacinas podem ser totalmente contra qualquer vacinação. As visões sobre a COVID-19 também variam, mas, enquanto alguns estão revendo suas posições, a maioria desses grupos continua a seguir o caminho familiar das teorias conspiratórias e da desconfiança em relação aos governos, segundo Dorit Reiss, professora de Direito da Universidade da Califórnia em Hastings, que estuda o movimento antivacinas.

Segundo especialistas, nem mesmo uma pandemia que já deixou mais de 200 mil mortos em todo o mundo será capaz de mudar as ideias dos antivacinas. No final de março, a Casa Branca estimava que haveria entre 100 mil e 200 mil mortos nos Estados Unidos, contando com os esforços para conter a disseminação do vírus. É consenso entre os especialistas em saúde que apenas uma vacina permitirá que as pessoas retomem suas vidas normais, sem períodos de quarentena ou isolamento social.

“É o mesmo padrão que vejo toda vez que temos um surto de sarampo”, afirma Karen Ernst, diretora executiva da Voices for Vaccines, uma organização que reúne pais que defendem as vacinas. “Sempre temos uma dose de negacionismo, acusações e pensamento conspiratório”. O sentimento antivacinas também compõe a identidade, tanto quanto a crença. “São pessoas que tornam esse sentimento parte de sua identidade: ‘Sou mãe, tenho um estilo de vida natural e sou contra vacinas’. É importante elencar as coisas para preservar essa identidade”.

Mas agora que o mundo está às voltas com os horrores de uma doença viral – que já infectou mais de 3 milhões de pessoas – especialistas em saúde pública veem uma oportunidade de convencer as pessoas em cima do muro sobre os benefícios das vacinas. “É uma grande oportunidade de dar apoio às vacinas”, diz Reiss, acrescentando que poderá haver enorme procura assim que uma vacina esteja disponível.

Para ser antivacinas no mundo de hoje, segundo ela, é preciso aderir a teorias conspiratórias, porque os dados se avolumam do outro lado, o pró-vacina. Isso não diz nada a respeito da inteligência dessas pessoas. “Você pode ser muito inteligente, ter os pés no chão e, ainda assim, acreditar em teorias da conspiração”, afirma a especialista.

Os que são contra ou têm dúvidas sobre vacinas reagem à atual pandemia negando sua existência ou dizendo que não é nada grave e ninguém está realmente morrendo por causa da COVID-19. No mês passado, por exemplo, Del Bigtree — produtor do documentários “Vaxxed” e apresentador do popular show online “The Highwire” — disse para sua audiência que os números da China não fazem sentido.

“A doença não é tão fatal quanto dizem”, afirmou, acrescentando que “é uma situação trágica apenas para um pequeno número de pessoas, que ou são imunossuprimidas ou idosas”. Da mesma forma, Bob Sears postou em seu Facebook que “idosos são vulneráveis, mas a COVID é inofensiva para praticamente todo resto da população”.

Ambas as afirmações são falsas – há milhares de casos de jovens saudáveis em UTIs de todo o mundo. Mas é uma tática comum, segundo Reiss. “Eles se concentram na morte e ignoram hospitalizações, e vão dizer que a COVID-19 não vai matar você, você não deve tomar a vacina”, explica. “Eles falam o mesmo de outras doenças”. As análises mostram que pessoas com menos de 50 anos também morrem em razão do coronavírus. 

Outras teorias populares sobre a COVID-19 apontam o dedo acusador para a tecnologia. Keri Hilson, cantora americana com mais de 4,2 milhões de seguidores no Twitter, fez uma série de postagens, posteriormente deletadas, tentando associar o coronavírus aos sistema 5G. “As pessoas tentaram nos alertar durante anos”, escreveu, acrescentando que o 5G foi lançado na China em novembro de 2019 e então as pessoas começaram a morrer. Joshua Coleman, ativista antivacinas que alega que a aplicação de uma delas obrigou seu filho a usar cadeira de rodas, postou no Facebook que o coronavírus é causado pelo 5G. Segundo autoridades do Reino Unido, essa teoria da conspiração fez com que dezenas de torres e equipamentos de comunicação fossem deliberadamente danificados.

Sem ter base alguma, Larry Cook, um influenciador antivacinas que administra a página Stop Mandatory Vaccination no Facebook, afirma em sua página pessoal que lockdowns e isolamento social facilitam aos governos rastrear pessoas e obrigá-las a fazer o teste para o vírus. Assim, diz ele, o governo poderá obrigar todo mundo a tomar vacina. “Esse lockdown e isolamento social são armas econômicas e psicológicas para que aceitemos a vacinação obrigatória”, escreveu em meados de abril. (Cook também não respondeu o pedido de entrevista da Undark.)

Outros antivacinas se concentram nos esforços para desenvolver e testar uma vacina contra a COVID-19. A Children’s Health Defense, organização fundada por Robert F. Kennedy Jr, que associa autismo e diabetes a vacinas e pesticidas, entre outros, diz que a corrida por uma vacina – em vez de um tratamento – é um problema sério, alimentado pelo desejo de lucro. Uma postagem no site do grupo afirma: “Nosso governo dá prioridade ao desenvolvimento de uma vacina (com a promessa tentadora de patentes lucrativas) em detrimentos de terapias existentes (como vitamina C e drogas já existentes no mercado) que não prometem lucros exorbitantes”. A postagem prossegue afirmando, sem citar evidências, que “vacinas de desenvolvimento rápido são uma mina de ouro tanto para as farmacêuticas como para o governo”.

Mesmo com possíveis tratamentos para a COVID-19 – que ainda não passaram por estudos rigorosos –, muitos especialistas em saúde, incluindo o ex-diretor da Food and Drug Administration (FDA) Scott Gottlieb e o consultor da Casa Branca Anthony Fauci, afirmam que só uma vacina eficaz pode assegurar a volta à normalidade.

Outra tendência comum entre os grupos antivacinas é a crença de que a imunidade natural – aquela adquirida depois de contrair a doença – é melhor que a promovida por vacina. A “lógica”, alegam eles, é que se a doença natural é um processo saudável e normal, as pessoas devem simplesmente se infectar para desenvolver imunidade e proteger outras pessoas. “A imunidade conferida pelas vacinas é inferior, e é por isso que vemos a necessidade de aplicar duas, três, quatro doses de reforço ou tomar vacina contra gripe todo ano”, disse Bigtree em seu show de 26 de março.

Em uma entrevista, Bigtree “elaborou seu pensamento”, afirmando não ser contra a vacinação de certas pessoas. “Eu não teria problemas com nenhum produto se ele fosse feito para pessoas que precisam dele, mas não concordo com o princípio de que pessoas perfeitamente saudáveis precisem ser vacinadas para proteger uma pequena porcentagem de pessoas doentes”, afirmou. Ele acrescentou que provavelmente não vai tomar a vacina quando estiver disponível, e que está disposto a correr um risco calculado com sua própria família.

Mas os defensores da infecção voluntária não se restrigem aos antivacinas, e chegaram à The Federalist, uma revista americana conservadora online, que publicou em maio um texto defendendo essa abordagem contra a COVID-19.

Na maioria dos casos, a imunidade natural realmente pode durar mais que a induzida por vacinas, mas os especialistas em saúde pública garantem que os riscos da tal infecção voluntária superam em muito os das vacinas. “A imunidade natural protege as pessoas depois que um enorme número de pessoas fica doente e isso não é bom”, diz Ernst. Reiss destaca que nenhuma dessas teorias da conspiração é nova – são afirmações clássicas do mundo dos antivacinas: “Essas ideias circulam há um bom tempo, mas estão aplicando crenças antigas a um novo contexto”. E esse novo contexto é importante, já que a crise da COVID-19 é algo que não se via em saúde púbica há um século.

A despeito da insistência dos temas antivacinas na pandemia da COVID-19, há alguns sinais de mudanças. Para os especialistas ouvidos pela Undark, a crise pode renovar o interesse da população pelas vacinas – ou pelo menos alertar muita gente sobre sua responsabilidade para com a saúde dos outros, o que seria uma tendência muito bem-vinda para os defensores da saúde pública. No ano passado, uma pesquisa feita em mais de 140 países pelo Wellcome Group mostrou que 79% dos entrevistados consideravam as vacinas seguras e eficazes. Os europeus ocidentais foram os que mostraram o menor grau de confiança nas vacinas, o que potencialmente põe em risco a imunidade de manada.

Catherine Flores Martin, diretora executiva da California Immunization Coalition, diz que tem visto uma mudança na reação do público a postagens antivacinas nas mídias sociais, e acredita que as pessoas vão ficar menos tolerantes com essas ideias no futuro. “Ainda teremos os antivacinas, mas as pessoas serão menos tolerantes com eles, agora que viram de perto como a doença pode impactar suas vidas. A atenção delas vai se voltar para nós”.

Flores Martin também percebe uma mudança na maneira como as pessoas falam de suas responsabilidades pessoais e sociais. “Não se trata apenas de responsabilidade social e ambiental, mas sua responsabilidade em relação à saúde pública”.

Ernst se preocupa com outro efeito da crise atual, pois, com o isolamento social, um número menor de pais de crianças com menos de 2 anos de idade vai levá-las para tomar as vacinas de rotina. “É outro lado ruim desta pandemia, porque não queremos ver surtos e mais surtos de sarampo e nem surtos de caxumba nas faculdades, nem meningite entre os alunos do ensino médio”, alerta. “Não precisamos de crises evitáveis depois da crise do coronavírus”.

As comunidades que não confiam em vacinas também martelam nessa tecla. Na página Your Baby, Your Way do Facebook, o grupo que defende um calendário de imunizações que omite ou retarda a aplicação das vacinas de rotina, uma das postagens exalta os benefícios de escapar das consultas ao pediatra.

“Os americanos estão ficando em casa por causa do coronavírus e até mesmo os pais mais convencionais estão evitando as idas de rotina ao pediatra. Sabe o que isso significa? Que quanto menos você leva seu bebê ao médico, mais provável que você prolongue o aleitamento materno. Evita Tylenol e antibióticos e atrase as vacinas”, diz uma dessas postagens. “Torcendo aqui para que os pais de recém-nascidos, de bebês de dois, quatro e seis meses, decidam faltar a essas consultas que deixam nossos bebês doentes”.

Política pública

Jennifer Margulis, autora do livro "Your Baby, Your Way" e uma dos nove moderadores da página com mais de 40 mil seguidores, diz que todos estão preocupados com o coronavírus, mas igualmente preocupados que vacinas cheguem ao mercado sem testes de segurança.

“Especialistas dizem que será muito difícil desenvolver uma vacina segura contra uma doença respiratória como a COVID-19”, disse para a Undark. “Nunca conseguiram fazer uma vacina eficiente contra a SARS” (uma vacina contra a SARS foi desenvolvida no início dos anos 2000, mas nunca foi usada porque medidas de contenção bem-sucedidas controlaram a doença antes que a vacina chegasse ao mercado). Margulis também lembrou a vacina contra a dengue, testada nas Filipinas e que mostrou risco de doença grave em pessoas que não haviam sido previamente infectadas. Desde então, a recomendação das autoridades de saúde é de uso restrito.

William Schaffner, diretor médico da National Foundation for Infectious Diseases e professor de medicina preventiva da Vanderbilt University, lembra uma lição de história importante. Durante os preparativos da Guerra do Iraque, o governo considerou vacinar as tropas contra a varíola, que foi erradicada em 1980, porque dizia-se que Saddam Hussein possuía uma pequena quantidade do germe e militares acreditavam que ele pudesse usar a doença contra os americanos. A vacina, porém, jamais seria licenciada hoje em dia, por causa de seus efeitos adversos, diz Schaffner. “Mas os antivacina não disseram uma palavra contra a vacina porque são espertos. Politicamente, seria péssimo ir contra uma coisa defendida pelo presidente, e por isso ficaram em silêncio”.

“Suspeito que se a crise do coronavírus continuar e se tivermos uma vacina, se o governo recomendar e o país decidir vacinar o maior número de pessoas possível, eles vão ficar bem quietinhos. Eles não vão falar contra. São muito preocupados com sua imagem na mídia”, diz o especialista.

 

Katharine Gammon é uma jornalista de ciência que já escreveu para The Atlantic, The New York Times, The Guardian e outros. Reportagem publicada originalmente no site Undark.

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