Três cenários para o coronavírus no Brasil

Artigo
24 mar 2020
Imagem
números

 

Nos últimos dias, o biólogo Atila Iamarino divulgou duas lives (aqui e aqui) sobre a COVID-19. Ele comentou, entre outras coisas, as projeções do estudo “Impact of non-pharmaceutical interventions (NPIs) to reduce COVID19 mortality and healthcare demand”, que estimou o quantitativo de mortes no Reino Unido (500 mil) e nos Estados Unidos (mais de dois milhões) na ausência de medidas sistemáticas de prevenção.  No caso do Brasil, presumindo um comportamento semelhante, a previsão é de quase 1 milhão de mortos até o final de agosto, o que representa toda a população de Maceió (AL). 

Similarmente, um modelo matemático desenvolvido pelos professores José Dias do Nascimento Júnior e Wladimir Lyra indica um contágio de 53% e cerca de dois milhões de mortes no pior cenário previsto. Isso equivale ao total de curitibanos. O próprio ministro da saúde, Luiz Henrique Mandetta, disse que o sistema de saúde brasileiro deve entrar em colapso nos próximos meses. Por outro lado, o empresário Roberto Justus afirmou que a estimativa de um milhão é inconsistente e que a magnitude das mortes é residual, tanto no Brasil quanto no mundo.  Para ele, as medidas preventivas produzirão “um problema social sem precedentes” e uma recessão econômica pior do que a quebra da Bolsa de Nova York em 1929. 

O objetivo deste artigo é contribuir com o debate, a partir de um exercício de simulação. Em termos metodológicos, o primeiro passo é identificar a população de interesse, no caso, cerca de 210 milhões de brasileiros, de acordo com estimativas oficiais do IBGE[i]. O segundo passo é calcular quantas pessoas serão infectadas[ii]. Para fins didáticos, iremos considerar três cenários hipotéticos: 30%, 50% e 80%, conforme ilustra a Tabela 1. 

números tabela 1

No melhor cenário, seriam 63 milhões de infectados. No pior dos mundos, presumindo um contágio de 80%, a estimativa é de aproximadamente 168 milhões de doentes. Os resultados epidemiológicos indicam que apenas uma parcela pequena dos infectados evolui para quadros graves[iii]. Para nosso exercício, iremos presumir que para 15% dos infectados a doença progredirá para níveis que requerem cuidados hospitalares intensivos. Teremos então a seguinte distribuição de pessoas internadas. 

números tabela 2

No melhor cenário, em que apenas 30% da população brasileira sejam infectados pela COVID-19 e 15% evoluam para níveis graves, teremos 9.450.000 pessoas necessitando de cuidados hospitalares complexos. Na perspectiva mais pessimista, 80% de infectados e 15% desses em situação crítica, a estimativa é de 25 milhões de pessoas. 

Mortalidade

O último passo consiste em aplicar a taxa de mortalidade para cada um dos estratos (30%, 50% e 80%). Sabendo que a estimativa mundial é de aproximadamente 4,36%, que representa a razão entre o número total de mortes (16.359) e a quantidade total de casos confirmados (375.223)[iv], podemos especular sobre quantas pessoas morrerão no Brasil.  

Antes disso, porém, vejamos como varia a mortalidade por país. De acordo com nosso último levantamento (com certeza já desatualizado), a Itália contabilizou 59.138 casos e 5.476 óbitos, o que representa uma taxa de mortalidade de 9,26%. O Irã registrou 21.638 casos confirmados com 1.685 vidas perdidas, ou seja, 7,79% de mortalidade. A Espanha exibe taxa de mortalidade de 6,02%, com 1.720 óbitos para um total de 28.572 registros de COVID-19. O Gráfico 1 ilustra o número oficial de casos diagnosticados por dia em perspectiva comparada. 

grafico 1 países

Infelizmente, o Brasil é a nação que apresenta a maior velocidade de surgimento de novos casos. Em termos de política de saúde, isso é bastante preocupante. A Tabela 3 ilustra a quantidade esperada de óbitos, supondo diferentes níveis de mortalidade (as taxas de mortalidade estimadas referem-se à proporção do número de infectados em estado grave que não sobrevive).

números tabela 3

No pior cenário, 80% de contágio, 15% de casos graves e 9% de mortalidade (se o Brasil reproduzir a taxa da Itália), a previsão é de 2.268.000 mortes (ver retângulo vermelho). Isso equivale a toda população de Manaus (AM). Já presumindo 30% de pessoas infectadas, com 15% de casos graves e 1% de mortalidade, teremos cerca de 95 mil óbitos, o que é um pouco mais do que a capacidade do Maracanã (78.838) (ver retângulo azul). 

Mas afinal, em qual estimativa devemos acreditar? Atila fez doutorado em microbiologia na USP com pós-doutorado em Yale. Roberto Justus é graduado em administração de empresas pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e ganhou notoriedade, entre outras coisas, como apresentador de reality shows. Deixando as credenciais científicas de lado, é curioso um posicionamento exatamente na contramão do que grandes potências mundiais estão sinalizando. 

Mitigação

Os Estados Unidos, que ontem registraram 9.205 casos e 101 mortes, anunciaram o maior pacote econômico da História, com US$ 500 bilhões para ajudar o setor privado, além de um auxílio mensal de U$ 1.200 para os trabalhadores. O prefeito de Nova York já anunciou que, em dez dias, o sistema de saúde será incapaz de lidar com a demanda de pacientes. Já existem relatos de reutilização de máscaras em hospitais e as Forças Armadas estão auxiliando a gestão dos futuros doentes. 

Na Itália, a quantidade de mortes passou de 6 mil, incluindo profissionais da saúde. Médicos cubanos já chegaram para ajudar, e o setor produtivo sinaliza a possibilidade de greves gerais. Na Espanha, as autoridades encontraram corpos abandonados em asilos. O Reino Unido voltou atrás na estratégia de pouca restrição e impôs um regime duro para reduzir o contato social.  

No Brasil, parece que a equipe econômica não compreendeu o tamanho do problema. As medidas adotadas pelo Governo Federal não são suficientes. Incluem um pacote de R$ 150 bi (incluindo saque do FGTS e adiantamento do 13º dos beneficiários do INSS). Já antevendo a solicitação dos governadores e prefeitos por mais recursos, o governo também anunciou um pacote de R$ 80 bilhões envolvendo transferências de R$ 8 bilhões para gastos em saúde, recomposição do FPM e FPE. Antes disso, o governo tinha anunciado um auxílio de R$ 200 durante os próximos três meses para os trabalhadores informais, desempregados e Microempreendedores Individuais. 

Os trabalhadores informais, por exemplo, representam 41,4% do mercado de trabalho. Como irão suprir as suas necessidades com R$ 200? Quais as políticas de assistência para os grupos mais vulneráveis? Como estão os procedimentos de distribuição de água para locais que estão sem? É necessária uma política fiscal mais expansionista, apesar do “complexo de Guedes” em relação ao papel do Estado na Economia. 

Qualquer sistema de saúde do mundo torna-se incapaz de atender à demanda caso o número de infectados aumente exponencialmente. Por isso, a importância do isolamento total. Em um país como o Brasil, com dimensões continentais, estamos nos referindo também a comunidades de palafitas, onde oito pessoas dividem um único cômodo. O governo conta com instrumentos valiosos, como o cadastro único, que permite acesso a esses grupos de maneira rápida. 

É necessário manter o foco na contenção das despesas. Entretanto, em uma situação de guerra, a manutenção do mínimo para toda a população é o essencial no curto prazo (sendo possível pensar até uma renda mínima para parcela da população, como pontua Armínio Fraga[v]). O presidente Bolsonaro teme aumento do desemprego, mas deveria estar preocupado, primeiramente, com as 210 milhões de vidas sob sua cambaleante tutela. 

Afinal, morto não precisa trabalhar. 

Dalson Britto Figueiredo Filho é professor-assistente de Ciência Política na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)

Antônio Fernandes é mestrando em Ciência Política/PPGCP-UFPE

 

NOTAS

[i] https://www.ibge.gov.br/apps/populacao/projecao/

[ii] Esse é um cálculo extremamente difícil uma vez que depende de uma série de variáveis como a taxa de transmissibilidade da doença (R0), as condições socioeconômicas da população, a atuação dos órgãos governamentais, entre outros fatores.  Em particular, Liu, Wilder-Smith e Wilder-Smith (2020) comparam o R0 do COVID-19 e do SARS. A partir da revisão de 12 trabalhos, os autores reportam que a taxa de transmissibilidade do novo vírus varia entre 1,4 e 6,49, com uma média de 3,28 e uma mediana de 2,79. Ver: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/32052846.

[iii] Ver: <https://www.worldometers.info/coronavirus/> e <https://ourworldindata.org/coronavirus>. 

[iv] Estimativa calculada as 18:45 do dia 23/03/2020 a partir do: <https://www.worldometers.info/coronavirus/>.

[v] https://valorinveste.globo.com/mercados/brasil-e-politica/noticia/2020/03/24/arminio-sugere-renda-minima-para-100-milhoes-de-pessoas-por-coronavirus.ghtml

Mais Acessadas

Sua Questão

Envie suas dúvidas, sugestões, críticas, elogios e também perguntas para o "Questionador Questionado" no formulário abaixo:

Ao informar meus dados, eu concordo com a Política de Privacidade.
Digite o texto conforme a imagem

Atendimento à imprensa

11 95142-8998 

11 95142-7899