O que dizem os números sobre suicídio no Brasil

Artigo
20 set 2019
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Sombra de janela

Kurt Cobain marcou a adolescência de muitos jovens, inclusive a minha. Quem gostava de rock, na década de 1990, em algum momento bateu cabeça ouvindo as músicas do Nirvana. O cantor foi encontrado morto em casa, após atirar contra a própria cabeça com uma espingarda. Em 2017, a Netflix lançou a série 13 Reasons Why, que conta a história de Hannah, uma adolescente que tirou a própria vida. Na trama, a partir de gravações de fitas cassete, a protagonista relata os motivos que a levaram a desistir da existência, e como os personagens da série contribuíram para sua escolha. 

Esses casos ilustram o tipo de óbito em que a vítima produz o resultado, como bem colocou um dos fundadores da Sociologia, o francês Emile Durkheim, em sua obra clássica “o Suicídio”. Os dados oficiais da Organização Mundial de Saúde (2016) indicam uma taxa global de 10,5 suicídios para cada grupo de 100 mil habitantes[i]. Ao que parece, uma pessoa desiste de existir a cada 40 segundos, tornando o suicídio a terceira principal causa de morte entre os jovens[ii]

Existe grande variação geográfica na distribuição da taxa de mortes autoprovocadas pelo mundo. Por exemplo, em 2000, Rússia (47,5) e Lituânia (46,3) lideravam esse ranking trágico. As informações de 2016 apontam Guiana (30,2), Lesoto (28,9) e Rússia (26,5) com as maiores taxas. 

Em 2003, a International Association for Suicide Prevention lançou a campanha Setembro Amarelo, com o objetivo de colocar o tema na agenda pública.  No Brasil, a iniciativa foi implementada em 2015 a partir de uma parceria entre o Centro de Valorização da Vida (CVV), o Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). De acordo com o sítio eletrônico do movimento, a meta é “iluminar e estampar o amarelo nas mais diversas resoluções, garantindo maior visibilidade à causa”. Em termos de ações, a campanha prevê palestras, caminhadas, passeios ciclísticos, reuniões com gestores públicos, entre outros atos. 

Este artigo procura contribuir com o assunto a partir do método científico. Aplicaremos modelos matemáticos de previsão para tentar estimar a quantidade de suicídios no Brasil até 2020. Nosso objetivo é fornecer estimativas confiáveis que possam orientar gestores governamentais na formulação de políticas públicas desenhadas para prevenir a autodestruição voluntária da vida humana. Para tanto, o primeiro passo é dimensionar o tamanho do problema. O Gráfico 1 ilustra a variação do número de suicídios no Brasil entre 1996 e 2017.  

 

          Gráfico 1 – Número de suicídios (Brasil, 1996-2017)[iii]

 

grafico1

 

No Brasil, de acordo com estimativas oficiais do DATASUS, foram contabilizadas 195.979 mortes autoprovocadas entre 1996 e 2017. Isso equivale a mais ou menos dois estádios do Maracanã, completamente lotados. Ao se considerar a distribuição por sexo, os dados corroboram a proposição de Durkheim, de que “o suicídio é uma manifestação essencialmente masculina”. Do total de mortes, 79,02% foram de homens. Isso significa que para cada mulher que se mata, há, em média, quatro indivíduos do sexo oposto que descartam a própria vida. Em média, 8.908 pessoas desistem da própria existência por ano (ver linha pontilhada vermelha). 

O rompimento da barragem de Brumadinho, considerado um dos piores desastres naturais do País, eliminou 248 vidas humanas. Ou seja, a quantidade suicídios representa cerca de trinta e seis Brumadinhos por ano. A taxa de suicídios por 100 mil habitantes passou de 4,18, em 1996, para 6,14 em 2017, o que representa um incremento de 46,88%. 

Para melhor compreender a dinâmica temporal dessas mortes, é importante observar a variação mensal da quantidade de suicídios no Brasil. O Gráfico 2 ilustra essas informações. 

 

     Gráfico 2 – Número de suicídios (Brasil, mensal, 1996-2017)

grafico2

A linha vermelha horizontal pontilhada representa a média mensal de mortes autoprovocadas voluntariamente: 743. A tendência é positiva ao longo do tempo: ou seja, a quantidade de brasileiros que optam por destruir a própria vida está aumentando. Além disso, ao se comparar a variação da quantidade de mortes por mês, observamos que dezembro apresenta a maior média (800), enquanto junho apresenta a menor (682). O Gráfico 3 ilustra a média da taxa de suicídios por unidade da federação entre 1996 e 2017.

 

       Gráfico 3 – Média da taxa de suicídios por unidade da federação (1996-2017)

 

grafico3

 

Como pode ser observado, existe grande variação a ser explicada. Rio Grande do Sul (10,27), Santa Catarina (8,21) e Mato Grosso do Sul (7,93) apresentam as maiores taxas históricas de suicídios. No polo oposto observamos Pará (2,58), Bahia (2,44) e Maranhão (2,43). Depois de examinar a variação do número e da taxa de suicídios, o próximo passo é estimar quantas pessoas devem desistir da vida até 2020. 

Do ponto de vista mais técnico, utilizamos dois procedimentos: (a) o alisamento exponencial de Holt (1957), que é adequado para prever séries com tendência, como é o caso da distribuição de suicídios e (b) um modelo autorregressivo integrado de médias móveis (ARIMA). Calma! Parece um bicho de sete cabeças, mas não é. Esses modelos de previsão consistem, basicamente, em utilizar médias ponderadas das observações passadas, num esforço de prever o comportamento da série no futuro. 

É mais ou menos a mesma lógica empregada pelo torcedor de futebol quando seu time vai jogar contra um adversário considerado “freguês”. Espera-se que a tendência do passado permaneça constante, o que permite formular um palpite sobre o desfecho da partida que é um pouco melhor do que um chute ao acaso. Os Gráficos 4 e 5 mostram a nossa expectativa sobre o que deve ocorrer com o número e a taxa de suicídios no Brasil nos próximos anos.  

 

Gráfico 4 – Número estimado de suicídios (Brasil, 2018-2020)

 

grafico4

 

 

Gráfico 5 – Taxa estimada de suicídios por 100 mil habitantes (Brasil, 2018-2020)

 

grafico5

 

 

O Gráfico 6 apresenta um modelo de previsão para tentar prever o número mensal de suicídios até 2020. 

 

        Gráfico 6 – Número estimado de suicídios (Brasil, mensal, 2018-2020)

 

grafico6

 

De acordo com nossos cálculos, as estimativas são as seguintes: (a) entre 2018 e 2020, cerca de 39.824 pessoas devem cometer suicídio no Brasil; (b) se a proporção entre os sexos respeitar a tendência histórica, serão 31.460 mortes masculinas; (c) dezembro é o mês mais crítico para aqueles que decidem destruir a própria vida; (d) a média de óbitos autoprovocados voluntariamente deve girar em torno de 13.274 por ano, vitimando cerca de 10.486 homens a cada nova estação; (e) a taxa de suicídios deve chegar a 6,5 mortes por 100 mil habitantes em 2020. 

O suicídio deve ser tratado como problema de saúde pública, tal como cólera ou dengue. E, como mostra a experiência internacional, a melhor forma de fazer isso é a partir de políticas públicas ancoradas em evidências. Agora que já temos uma ideia de quais são os números e do que esperar, o próximo passo é trabalhar para evitar que as previsões se cumpram.

Dalson Britto Figueiredo Filho é professor-assistente de Ciência Política na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)

NOTAS

[i]Ver: <https://www.who.int/gho/mental_health/suicide_rates/en/>. 

[ii]Ver: <https://veja.abril.com.br/saude/a-cada-40-segundos-ocorre-um-suicidio-no-mundo/>

[iii]A quantidade de suicídios foi calculada a partir da soma das ocorrências de lesões autoprovocadas voluntariamente do Grande Grupo CID 10: X60-X84. Ver: < http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sim/cnv/ext10uf.def>. 

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