O que seria preciso para mudar sua ideia a respeito de um assunto sobre o qual você tem certeza de que está certo? Ou, quem sabe, convencer-se de que seu pensamento original estava errado? Em épocas de que toda a opinião “é superválida”, dependendo do ponto de vista, é preciso estabelecer uma certa lógica para o raciocínio, e permitir-se ao menos perguntar quais evidências nos fariam mudar de ideia.
Repare que o questionamento não é em relação a quais argumentos seriam necessários para fazer você mudar de ideia. Argumentos polidos e aparentemente sábios são feitos desde a época das ágoras, que, apesar de serem consideradas símbolos de democracia na Grécia, muitas vezes eram manipuladas por pessoas que tinham o dom da fala e arrebanhavam seguidores fiéis.
Os representantes do Instituto Questão de Ciência participam frequentemente de debates envolvendo pseudociências, fake news e Práticas Integrativas Complementares (PICs) no Sistema Único de Saúde. Nos debates são apresentados estudos e revisões de centenas de artigos mostrando que, por exemplo, os efeitos da homeopatia não são melhores do que o placebo. Mesmo assim, muitas pessoas parecem não acreditar, ou não querer acreditar, no que é mostrado.
Claro, ninguém é obrigado a acreditar no que a pessoa ali no tablado está afirmando, mas há referências a estudos publicados e material amplamente disponível. As pessoas buscam tomar conhecimento desse material? Há quem diga que nada jamais mudará seu modo de pensar.
Sempre que alguém proclama isso, a impressão é de que a pessoa não está seguindo um raciocínio lógico, mas baseando suas opiniões em vieses, não em evidências. De fato, recusar-se a considerar evidências contrárias é a própria definição de mente fechada. Deveríamos sempre estar abertos para considerar evidências contrárias, e admitir a possibilidade de estarmos errados.
É irracional manter uma posição com tanta força que não se admita nem mesmo a possibilidade de erro. Peço ao leitor que pense numa opinião que sustenta com certeza. Agora, imagine alguém que se opõe a isso. Essa pessoa está tão convencida de que você está errado que não há nada que possa persuadi-la do contrário.
Você claramente discordaria dessa pessoa. Imaginaria que o sujeito tem a mente fechada. Então, se você acha que esse oponente imaginário é irracional, por se recusar a olhar para as evidências, é preciso reconhecer que o contrário também procede: você parece irracional quando se recusa a olhar as evidências dele.
O problema central, aqui, é que toda vez que você proclama que nada o convencerá de que está errado, estabelece uma posição não falseável, e a falseabilidade é um dos pilares da ciência. Falseabilidade significa, simplesmente, que seria possível refutar uma teoria/hipótese se ela estiver incorreta. A teoria das células fornece um excelente exemplo desse conceito.
Essa teoria afirma que todos os seres vivos são feitos de células. E é falseável porque a descoberta de um único organismo que não fosse feito de células bastaria para pô-la abaixo. Em outras palavras, se a teoria estiver errada, então é possível desacreditá-la, descobrindo e examinando o organismo que a nega.
Assim, a resposta apropriada para “o que seria necessário para convencê-lo de que você estava errado sobre a teoria das células?” Seria “um organismo que não é feito de células”. Para colocar isso de outra maneira, a teoria celular é falseável porque se não fosse verdade, seria possível demonstrar isso.
Oponentes de organismos geneticamente modificados, das vacinas, da medicina moderna e do aquecimento global rotineiramente desconsideram qualquer estudo que se oponha à sua visão, e, quando perguntados por que ignoram esses estudos, geralmente afirmam que os autores tinham segundas intenções, foram pagos por multinacionais, querem esconder a verdade ou querem criar a doença para vender a cura. Esta não é uma resposta racional.
Um excelente exemplo dessa rejeição cega dos fatos aconteceu recentemente, quando uma grande revisão de estudos sobre homeopatia não conseguiu encontrar qualquer evidência de que a homeopatia funcionasse.
Apesar do fato de que este trabalho usou um grupo independente para evitar vieses, a resposta dos homeopatas foi rápida e previsível: eles atribuíram isso a uma conspiração das empresas farmacêuticas e do establishment médico para suprimir a homeopatia. Esta não é uma resposta racional. O ônus da prova está com os homeopatas, que ao fazer a acusação impõem a si mesmos o dever de apresentar evidências convincentes de que a revisão é o resultado de uma conspiração. A resposta racional é considerar as evidências apresentadas no trabalho, em vez de descartá-las como fruto de uma conspiração.
A ciência sempre mantém aberta a possibilidade de que a evidência atual esteja sendo mal interpretada ou, no fim, seja incorreta. Assim, por exemplo, a literatura científica atual mostra muito claramente que as vacinas não causam autismo. Por ironia, o único estudo que concluiu que vacinas causavam autismo foi feito por um médico britânico que participava de uma conspiração contra a vacina tríplice (sarampo, caxumba e rubéola) da época. Apesar de o jornalista Brian Deer provar, com evidências, que todo o estudo feito pelo médico foi fraudulento, ainda há pessoas que acreditam na conspiração da conspiração e acusam o jornalista de ter sido comprado pela indústria farmacêutica.
Já está muito bem estabelecido que vacinas não causam autismo, mas isso não me dá o direito de proclamar que nada jamais me convencerá de que alguma vacina possa causar autismo. Embora seja extremamente improvável que os estudos que mostram que as vacinas não causam autismo estejam todos errados, como cientista e pessoa racional, devo reconhecer que existe essa possibilidade.
“Possibilidade”, é preciso notar, é uma palavra enganosa; a rigor, tudo o que não viola as leis fundamentais da lógica (círculos quadrados, números pares indivisíveis ou solteiros casados, por exemplo) é “possível”. É possível que o planeta Terra seja uma simulação dentro de um videogame alienígena. Para fins práticos, é sempre necessário distinguir possibilidade de probabilidade e de plausibilidade.
Então, se você me perguntasse o que seria necessário para eu mudar de ideia sobre vacinas e autismo, eu responderia que seriam necessários vários estudos de alta qualidade, cuidadosamente controlados, com um número significativo de observações que encontrassem ligação entre os dois. Além disso, seria necessário haver uma explicação plausível de por que tantos estudos anteriores indicarem que vacinas não causam autismo.
O mesmo serve para a homeopatia. Seria preciso apresentar diversos estudos controlados, duplo-cegos, randomizados e que apresentassem o motivo de todos os outros estudos terem falhado. Os principais artigos científicos sobre homeopatia, com resultados positivos, têm falhas metodológicas graves, como falta de controles ou controles inadequados.
Os cientistas estão interessados em entender, da melhor maneira possível, como as coisas são ou não são, enquanto os anticientistas e pseudocientistas tendem a se importar apenas em promover suas visões pessoais, mesmo que isso signifique cometer falácias, propor mecanismos misteriosos e supor que toda a comunidade científica está envolvida em um enorme conspiração.
É sempre preciso que cada um de nós pare, de tempos em tempos, e se pergunte o que seria necessário para nos convencer de que estamos errados. Se a resposta é de que nada, nenhuma ocorrência hipotética, poderia nos convencer do erro de nossas ideias, então não estamos sendo muito racionais..
Se formos verdadeiramente honestos para com nós mesmos, temos de reconhecer nossa própria falibilidade. É uma virtual certeza que todos nós temos pelo menos uma crença errada em nossas mentes. No mínimo uma. Mas teremos o desprendimento necessário para identificá-la?
Luiz Gustavo de Almeida é doutor em microbiologia e pesquisador do Laboratório de Genética Bacteriana do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo, coordenador dos projetos Cientistas Explicam e Pint of Science no estado de São Paulo